Brasil e mais de 100 países devem assinar declaração na COP26, que inclui financiamento bilionário. Boris Johnson fala em acordo “sem precedentes”, enquanto ativistas temem “mais uma década de desflorestamento”.
Líderes de mais de 100 países se comprometeram, na noite desta segunda-feira (01/11), a interromper e reverter o desmatamento e a degradação de terras até o fim desta década, informou o governo do Reino Unido, que preside a COP26 em Glasgow, na Escócia.
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, afirmou que a chamada Declaração dos Líderes de Glasgow sobre o Uso de Florestas e Terras é um “acordo sem precedentes” – embora a data de 2030 estabelecida seja considerada distante demais por ativistas climáticos que exigem ações urgentes para salvar as áreas verdes do planeta.
O presidente Jair Bolsonaro e os líderes da China, Xi Jinping, e dos Estados Unidos, Joe Biden, estariam entre os signatários da declaração conjunta a ser divulgada nesta terça-feira na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas.
Segundo o Reino Unido, os países que se comprometeram com o acordo representam mais de 85% das florestas do mundo, incluindo a Floresta Amazônica, a floresta boreal do norte do Canadá e a floresta tropical da bacia do Congo. Ao todo, somam uma área de 33,6 milhões de quilômetros quadrados de área verde, mas estão desaparecendo ao ritmo de 27 campos de futebol por minuto, disse o governo britânico em comunicado.
O compromisso de reverter o desmatamento até 2030 é acompanhado de um financiamento de quase 20 bilhões de dólares na década atual para frear a regressão das massas florestais.
Segundo o acordo, 12 países, incluindo o Reino Unido, prometeram desembolsar 12 bilhões de dólares em recursos públicos entre 2021 e 2025 para ajudar os países em desenvolvimento, inclusive nos esforços para restaurar terras desmatadas e combater incêndios florestais.
Ao investimento público serão adicionados 7,2 bilhões de dólares em investimentos privados até 2030. Um total de 3 bilhões de dólares deverá ser destinado à iniciativa da ONU Innovative Finance for the Amazon, Cerrado and Chaco (IFACC) para promover a produção de soja e gado sem desmatamento na América Latina.
Em iniciativas paralelas, cinco países, incluindo Reino Unido e Estados Unidos, e um grupo de instituições de caridade globais também se comprometeram a fornecer 1,7 bilhão de dólares em financiamento para apoiar os povos indígenas na conservação das florestas e fortalecer seus direitos à terra. Ambientalistas dizem que as comunidades indígenas são as melhores guardiãs florestais, muitas vezes contra violentas invasões de madeireiros e grileiros.
Além dos mais de 100 líderes, os dirigentes de mais de 30 instituições financeiras, incluindo Schroders, Axa, East Capital Group e NEI Investment, também se comprometeram a “eliminar o investimento em atividades ligadas ao desmatamento” até 2025.
“Guardiões em vez de conquistadores da natureza”
O premiê Boris Johnson declarou que o acordo sobre desmatamento é fundamental para a ambição global de limitar os aumentos da temperatura a 1,5 °C em relação aos níveis pré-industriais.
“Esses grandes ecossistemas abundantes – essas catedrais da natureza – são os pulmões de nosso planeta”, diz Johnson, segundo prévia de seu discurso divulgada pelo governo britânico.
“As florestas apoiam as comunidades, os meios de subsistência e o fornecimento de alimentos, e absorvem o carbono que bombeamos para a atmosfera. Elas são essenciais para nossa própria sobrevivência“, completa o anfitrião da cúpula em Glasgow.
“Com as promessas sem precedentes de hoje, teremos a chance de encerrar a longa história da humanidade como conquistadores da natureza e, em vez disso, nos tornarmos seus guardiães.”
Segundo a organização sem fins lucrativos World Resources Institute (WRI), as florestas absorvem cerca de 30% das emissões de carbono, que são a principal causa do aquecimento global.
No entanto, essa proteção climática natural está desaparecendo rapidamente. O mundo perdeu 258 mil quilômetros quadrados de floresta em 2020, segundo a iniciativa de rastreamento de desmatamento Global Forest Watch, do WRI. Essa área é maior do que o Reino Unido.
“Mais uma década de desmatamento”
Em 2014, 40 países haviam feito um compromisso semelhante na chamada Declaração de Nova York sobre Florestas, prometendo reduzir pela metade a taxa de desmatamento até 2020, e interrompê-la até 2030. Ainda assim, árvores continuam sendo derrubadas em escala industrial.
Embora o acordo desta segunda-feira vá além da Declaração de Nova York – principalmente no que diz respeito ao planejamento de recursos –, organizações ambientalistas ainda o tacham de pouco ambicioso.
O Greenpeace criticou a iniciativa afirmando que, ao estipular 2030 como prazo, ela dá luz verde a “mais uma década de desmatamento”.
“Povos indígenas estão pedindo para que 80% da Amazônia seja protegida até 2025, e eles estão certos, é isso que é necessário”, afirmou Carolina Pasquali, diretora executiva do Greenpeace Brasil. “O clima e o mundo natural não podem sustentar esse acordo.”
Metas brasileiras
O Brasil, um dos signatários do acordo, chegou à COP26 com a reputação derretida sob o governo Bolsonaro, que é muito criticado mundo afora por suas políticas ambientais, e com as emissões e o desmatamento em alta.
Nesta segunda-feira, em evento paralelo à COP26, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, anunciou uma nova meta climática de reduzir em 50% a emissão de gases poluentes até 2030, neutralizar a emissão de carbono no Brasil até 2050 e zerar o desmatamento ilegal em sete anos.
A meta anterior, anunciada em 2020, previa reduzir a emissão de gases em 43% até 2030. “Apresentamos hoje uma nova meta climática, mais ambiciosa, passando de 43% para 50% até 2030 e de neutralidade de carbono até 2050”, disse Leite.
No entanto, organizações ambientalistas, como o Observatório do Clima e o Greenpeace, demonstraram ceticismo com o anúncio, apontando que a nova meta não é nem um pouco “mais ambiciosa” e deve apenas reduzir distorções propositais da meta anterior de 43%. Leite não explicou qual será a base de emissões para o cálculo da porcentagem a ser reduzida.
No ano passado, especialistas apontaram que o governo executou uma “pedalada climática” ao oficializar uma revisão da base de dados da meta anterior de 43%. Originalmente, em 2015, o país usou como base de cálculo a quantidade de emissões de gases poluentes lançadas em 2005, à época estimadas em 2,1 bilhões de toneladas de CO2. Usando essa base, o Brasil teria que reduzir suas emissões para 1,2 bilhão de toneladas de CO2 em 2030.
No entanto, em 2020, o governo Bolsonaro oficializou uma manobra sobre a base de 2005 usada para o cálculo, revisando para cima a quantidade estimada de gases emitidos há 15 anos para 2,8 bilhões de toneladas. Dessa forma, o governo inchou o ponto de partida e permitiu que as emissões em 2030 chegassem a 1,6 bilhão de toneladas.
Segundo a ONG Observatório do Clima, ao manipular a base para o cálculo de emissões, o governo permitiria uma emissão adicional de 400 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente (CO2e) em relação a uma meta anunciada em 2015 por Dilma Rousseff.
A “meta de 50%” foi anunciada pelo ministro durante um evento paralelo da COP26 em Brasília, após a exibição de um discurso gravado pelo presidente Jair Bolsonaro. O presidente não vai comparecer à COP26, em contraste com outros chefes de Estado que participam da conferência em Glasgow. Já o ministro Leite só deve se deslocar para a COP26 no final desta semana.
O anúncio do governo federal é encarado como uma resposta à pressão internacional que o Brasil tem sofrido para melhorar seus compromissos contra o aquecimento global. Desde 2019, a imagem do país derreteu no exterior com o aumento de queimadas e desmatamento, além do desmonte de políticas ambientais pelo governo Bolsonaro.
O ceticismo sobre o comprometimento do governo em reduzir seja em 43% ou 50% a redução de emissões também é alimentada por dados que apontam que o Brasil tem ido na contramão do mundo quando se trata de poluir. Nesta semana, dados mostraram que o Brasil intensificou sua carga de poluição lançada na atmosfera em 2020.
As emissões brutas de gases de efeito estufa do país no passado chegaram a 2,16 bilhões de toneladas de CO2 equivalente (tCO2e), um aumento de 9,5% em relação ao período anterior. É o maior nível desde 2006. Isso ocorreu enquanto a média global de emissões sofreu uma redução de 7%, por causa das paralisações de voos, serviços e indústrias ao longo do ano passado na pandemia. O movimento contrário à tendência mundial tem uma fonte determinante: o desmatamento.