Mães da Praça de Maio completam 40 anos de luta pela memória e pela vida

benito roveran / Wikimedia

A ativista argentina Taty Almeida, militante da organização Madres de Plaza de Mayo

A ativista argentina Taty Almeida, militante da organização Madres de Plaza de Mayo

No dia 30 de abril de 1977, em plena ditadura militar na Argentina, 14 mulheres se reuniram na Praça de Maio, em frente à sede do governo em Buenos Aires, para protestar por seus filhos desaparecidos, iniciando assim 40 anos de uma luta incansável por verdade, memória, justiça e pela vida.

“Desgraçadamente, existimos porque nos tomaram o que é mais valioso para uma mulher. Lembramos deles sempre com alegria porque eles eram assim: amavam a vida”, afirmou em entrevista à Agência Efe Taty Almeida, integrante emblemática das Mães da Praça de Maio / Linha Fundadora.

“Mas não aceitamos que nos chamem de heroínas, fizemos o que qualquer mãe faria por um filho”, acrescenta a ativista argentina.

Neste domingo, as Mães – divididas em duas associações desde os anos 1980 por diferenças de critério sobre como levar adiante a causa – completam 40 anos desde a primeira vez que se reuniram nessa praça, com seus lenços brancos na cabeça, para pedir uma audiência com o ditador Jorge Rafael Videla.

O estado de sítio estabelecido pela ditadura argentina (1976-1983) proibia as reuniões de três ou mais pessoas, por isso as mães que se encontravam na Praça de Maio decidiram dar voltas, de duas em duas, ao redor de um monumento em forma de pirâmide que existe na praça.

Foi assim iniciada a “volta” que, a partir daquele momento, se repete a cada semana no mesmo lugar em homenagem aos 30 mil desaparecidos durante o regime ditatorial.

Além da perseguição permanente, o movimento teve que suportar uma dura repressão desde o primeiro dia, como foi o desaparecimento de três mães, e inclusive, com a chegada da democracia, com a aprovação de leis que anistiaram milhares de acusados de crimes de lesa-humanidade.

Empregada em uma família de militares, “gorilas antiperonistas totais”, como ela diz, Taty viveu durante algum tempo alheia à repressão exercida pelo exército.

Quando seu filho Alejandro, um militante de 20 anos, desapareceu um ano antes do golpe de Estado, Taty não entendeu “nada” porque, como lembrou, “era uma ignorante total”. De fato, ela demorou a perceber que os culpados não eram os peronistas, senão os “genocidas” que conhecia pessoalmente.

Por isso, em 1980, decidiu se aproximar da sede da organização, onde a única coisa que lhe disseram ao entrar foi “Quem lhe falta?”.

Não estavam preocupados com política ou ideologia. Lá fiz minha catarse. Chorei, me emocionei… Foi muito doloroso. Não consegui falar com meu filho, mas pus o pé no acelerador e assim continuo. O melhor que posso fazer é dividir minha dor com minhas companheiras de luta”, afirmou Taty, já que todas tinham algo em comum: seus filhos “alegres, com projetos”, que “queriam viver” e foram arrancados delas.

As Mães destacam como o período mais positivo para sua causa o iniciado com a presidência do falecido Néstor Kirchner (2003-2007), que, segundo Taty, converteu os direitos humanos em uma “política de Estado”.

No entanto, a ativista acredita que a chegada do conservador Mauricio Macri ao poder em dezembro de 2015 foi um revés, pois, segundo ela, o atual governo “viola os direitos humanos” e “pretende apagar a memória“.

Com ela concorda Mercedes Colás de Meroño, conhecida como “La Porota” ou “Poro”, referência das outras Mães da Praça de Maio.

Sua história é muito diferente da de Taty: filha de um sindicalista, deixou a Argentina nos anos 1930 após um golpe de Estado e chegou à Espanha, onde, em plena guerra civil, fuzilaram seu pai. A tragédia se repetiu depois, assim que retornou a seu país natal, onde outra ditadura sumiu com sua filha.

“Demorei muito para me recompor, todo o período na Espanha voltou à minha mente: outra vez o fascismo, pensava “La Porota”, que admite que passou “a vida” olhando pela janela, esperando que sua filha chegasse, até que um dia comprou um lenço e foi até a praça.

Ali, enquanto chorava sentada em um banco, uma mulher se aproximou para obrigá-la a ficar de pé, depois de lhe fazer a requerida pergunta “Quem lhe falta?”.

E nunca mais parei“, disse Mercedes.

Para ela, estes 40 anos serviram para reivindicar o caráter “revolucionário” de seus filhos, que sua memória seja respeitada “em todo o mundo” e para demonstrar que a “única luta que se perde é a que se abandona”.

Prova disso são as homenagens que as mães receberam nos últimos dias em exposições, almoços e todo tipo de eventos que encerram neste domingo, no aniversário da primeira volta em trono do monumento em forma de pirâmide, com apresentações organizadas pelas duas associações de Mães junto a outras figuras emblemáticas do campo social, da cultura e da política argentina.

Todas lembrarão seus filhos, como sempre fizeram, para que nenhuma mãe tenha que escutar novamente aquela pergunta: “Quem lhe falta?

E elas continuarão fazendo isso “até que o corpo aguente”. “Porque, apesar das bengalas e das cadeiras de rodas, as loucas continuam de pé“, advertiu Taty Almeida.

// EFE

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