Ministro avalia “grave risco de interrupção abrupta da coleta e divulgação” das informações e considera que quadro atual da doença exige transparência. Decisão atende a pedido de Psol, PCdoB e Rede Sustentabilidade.
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que o governo de Jair Bolsonaro retome a divulgação dos dados acumulados sobre a epidemia de covid-19 no Brasil, no formato que vinha sendo adotado até o início de junho.
Moraes tomou a decisão nesta segunda-feira (08/06) com base em uma ação apresentada pelos partidos de oposição Psol, PCdoB e Rede Sustentabilidade, que pedia a divulgação completa das informações sobre a doença no país.
O ministro considerou haver “grave risco de interrupção abrupta da coleta e divulgação” desses dados e determinou ao Ministério da Saúde que “mantenha, em sua integralidade, a divulgação diária dos dados epidemiológicos relativos à pandemia, inclusive no sítio do Ministério da Saúde e com os números acumulados de ocorrências, exatamente conforme realizado até o último dia 4 de junho”.
Assim, a decisão vai de encontro ao anúncio feito pelo Ministério da Saúde mais cedo nesta segunda-feira de que mudará mais uma vez a forma como vinha apresentando os dados desde o início da pandemia.
A pasta informou que manterá disponíveis os números acumulados de mortes e casos, mas dará destaque às contagens diárias. Disse também que passará a divulgar os dados com base na data de óbito da vítima, e não na data de notificação, como vinha ocorrendo desde o surgimento da doença no país e como é feito por quase todos os países.
Em sua decisão, Moraes determinou que, “em virtude de urgência”, a Advocacia Geral da União (AGU) preste as informações para a retomada da divulgação dos dados dentro de dois dias. “Intime-se o advogado-geral da União, a União para o cumprimento da decisão e para prestar as informações que entender necessárias em 48 horas.”
Na última sexta-feira, o governo federal parou de publicar os dados consolidados da epidemia, como o total de mortes e casos de covid-19 no país. O Painel Coronavírus do Ministério da Saúde chegou a ser retirado do ar. Posteriormente, voltou mutilado, sem os números totais e desprovido de quase todas as suas ferramentas, como gráficos e tabelas.
Foi a culminação de semanas de redução de transparência, que se intensificou depois da saída de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde e o aumento da influência militar na pasta.
O governo também passou a atrasar propositalmente a divulgação de dados e dar ênfase a aspectos “positivos” da pandemia. Além de diminuir a transparência, as atitudes do governo levantaram o temor de falsificação dos dados.
Moraes ordenou que sejam adotadas “medidas de efetividade internacionalmente reconhecidas, dentre elas, a colheita, análise, armazenamento e divulgação de relevantes dados epidemiológicos necessários, tanto ao planejamento do poder público para tomada de decisões e encaminhamento de políticas públicas, quanto do pleno acesso da população para efetivo conhecimento da situação vivenciada no país”.
“A Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, consagrou expressamente o princípio da publicidade como um dos vetores imprescindíveis à administração pública, conferindo-lhe absoluta prioridade na gestão administrativa e garantindo pleno acesso às informações a toda a sociedade”, prosseguiu.
Moraes avaliou ainda que o quadro atual da doença no país exige que as autoridades tomem todas as medidas possíveis de apoio e manutenção de atividades do Sistema Único de Saúde (SUS).
“A gravidade da emergência causada pela pandemia de covid-19 exige das autoridades brasileiras, em todos os níveis de governo, a efetivação concreta da proteção à saúde pública, com a adoção de todas as medidas possíveis para o apoio e manutenção das atividades do SUS”, escreveu o ministro.
Alternativas para acessar dados do coronavírus
A decisão do Ministério da Saúde de reduzir drasticamente a transparência dos dados sobre a covid-19 no país levou ao surgimento de novos meios de monitoramento para tentar suprir a lacuna deixada pelo governo.
Os jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e O Globo e os portais G1 e UOL anunciaram uma colaboração para coletar dados sobre a epidemia nos 26 estados e no Distrito Federal. Equipes desses veículos vão dividir tarefas, compartilhar dados e elaborar um balanço diário que será fechado às 20h.
O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), que reúne os titulares das 27 secretarias de Saúde da federação, lançou no fim de semana o portal Painel Conass, que é atualizado todos os dias às 18h30 (horário de Brasília) – ou seja, bem antes do horário do governo federal, que empurrou na semana passada a divulgação de seu boletim diário para as 22h.
O site disponibiliza dados da doença por estado e o total do país, mais ou menos como o antigo portal do Ministério da Saúde fazia até a última sexta-feira. Os dados são coletados com as secretarias estaduais de Saúde.
Há ainda outras iniciativas que possibilitam acessar os números da doença no país, como os portais Dados Transparentes, Brasil.io e Lagom Data, além de uma extensão no Google Chrome chamada Transparência Covid-19, capaz de restabelecer parte dos dados que passaram a ser ocultados pelo governo.