A violência chega a níveis alarmantes no Rio de Janeiro. De acordo com os últimos números divulgados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), as mortes durante intervenções policiais aumentaram 96% em março desse ano, em comparação ao mesmo mês do ano passado, saltando de 61 para 120 homicídios.
Em fevereiro, o aumento desse tipo de morte violenta havia sido de 23%, em comparação ao mesmo mês de 2016.
No Complexo do Alemão, conjunto de favelas ocupadas pela Polícia Militar desde 2010, os confrontos policiais resultaram em 17 mortes e 19 feridos a bala, segundo dados oficiais.
Em 2016, durante todo o ano, o número de vítimas chegou a 23 mortes e 22 feridos. Além disso, sete policiais ficaram feridos em 2017, sem nenhuma baixa. No ano passado foram 16 PMs atingidos e um deles morreu.
“Em poucos meses já são 17 mortes no Alemão. Esse número nos dá uma ideia da guerra que estamos vivendo. As pessoas estão cansadas de enterrar os vizinhos, conhecidos e amigos. Semana passada foram três velórios”, afirma o fotojornalista Betinho Casas Novas, que atua no coletivo Vozes da Comunidade.
Na última quinta-feira (4), um tiroteio entre policiais e traficantes do Alemão resultou em cinco mortos. Nas redes sociais, moradores do Alemão têm postado relatos e desabafos sobre a situação nos últimos dias.
“Não aguentamos mais. As crianças não brincam mais, não vão para a escola. Somos trabalhadores. Misericórdia, o Complexo do Alemão não quer UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), queremos paz”, afirmou uma moradora nas redes sociais.
“Hoje acordei com dois policiais camuflados dentro da minha casa, levei um susto tremendo e o portão estava fechado. Um abuso. Cismam com a casa e invadem. É triste demais, nem dentro de casa, dormindo, temos paz”, disse outra moradora.
PM ocupa casas no Alemão
Os moradores afirmam que a situação que já era ruim, ficou pior no começo de abril, quando policiais militares, que atuam na UPP Nova Brasília, ocuparam casas vazias em lugares “estratégicos” para combater o narcotráfico.
No entanto, as residências no entorno dos imóveis invadidos viraram alvo de traficantes, com isso a guerra foi ampliada, afetando ainda mais os moradores do bairro.
Porém, depois de denúncia feita pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro, no dia 28 de abril, a juíza Roseli Nalin determinou a desocupação dessas casas.
“O atuar do Comando Militar não poderá, ainda que em nome do grave quadro aqui desenhado, praticar violações de direitos humanos em operações policiais, notadamente com invasão e ocupação das casas de civis para utilização como base militar. Isso representa ofensa à proteção constitucional do domicílio e ao direito à vida, à integridade física e à segurança [dos moradores]”, argumentou a juíza em sua decisão.
Contudo, a PM descumpriu a decisão judicial e manteve os postos militares em pelo menos oito casas, segundo inspeção da própria Defensoria Pública. “Em vistoria realizada na comunidade, não restou dúvida de que os policiais militares que atuam no Complexo do Alemão continuam utilizando os imóveis”, destacou a defensora pública Lívia Casseres.
Diante do descumprimento, a Defensoria Pública pediu à Justiça, na última sexta-feira (5), que intime o comandante geral da Polícia Militar, o secretário de segurança pública e o comandante da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) Nova Brasília para que desocupem os imóveis na comunidade.
Vídeo denuncia guerra particular
Para chamar a atenção da sociedade sobre a violência vivida pelos moradores no Alemão, integrantes do coletivo Vozes da Comunidade gravaram sons de tiros e de bombas e fizeram um experimento social. Com a câmera ligada, pediam a pessoas que moram na zona sul do Rio e a turistas para ouvirem e dizerem de que país vinha aquele som de disparos.
Alguns falaram que aqueles sons poderiam ter sido registrados na Síria, no Afeganistão ou no Iraque, mas ninguém disse que poderiam ter ocorrido no Brasil. E com surpresa recebiam a informação de que os “sons da guerra” vinham do Alemão. O vídeo de quase dois minutos viralizou. Foi assistido por mais de 1 milhão de pessoas nos últimos três dias.
“Essa é a primeira vez que a nossa voz foi escutada assim, em grande número. O vídeo está tendo muita repercussão. O que mais me doeu foi que, durante o processo de edição dos sons, tivemos que tirar os gritos de socorro dos moradores para o local não ser identificado facilmente. Só quando tiramos as imagens e as vozes, o som da guerra sensibilizou. Porque as pessoas não ligam para o que está acontecendo no Alemão”, afirma Betinho Casas Novas.
Além de ser fotógrafo profissional, Betinho é um ativista da comunicação comunitária e junto com moradores do Alemão têm divulgado a violência diária e os protestos de quem mais sofre com essa guerra às drogas.