Um estranho paradoxo encontrado nas análises do Sol deixou cientistas intrigados durante 20 anos, levando alguns até mesmo a questionar a teoria quântica da interação entre radiação e matéria.
Felizmente, um artigo publicado na revista Physical Review Letters mostrou a solução do problema e forneceu uma importante peça para compreender os mecanismos da física solar.
Foi em 1998 que um artigo da revista Nature concluiu haver um sinal de polarização na luz emitida pelos átomos de sódio na atmosfera solar. Isso chocou os pesquisadores, porque significaria que a cromosfera do Sol — uma camada irregular que se estende por mais de 10 mil quilômetros acima da fotosfera, fazendo a transição entre a fotosfera e a coroa solar — está praticamente desmagnetizada.
O problema é que isso desafia todo o conhecimento que havia a respeito da nossa estrela, “porque há evidências substanciais de outros tipos de observação para ambos os tipos de campo (campos magnéticos turbulentos e campos horizontais)”, diz o artigo de 1998. Nesse mesmo artigo, foi proposto um mecanismo que explicava muito bem as observações da luz de sódio, mas esse mecanismo implicava que não ocorre a despolarização na cromosfera solar.
Acontece que o mecanismo proposto naquela ocasião exclui a existência de campos magnéticos turbulentos e de campos horizontais — campos que já haviam sido observados antes. “Obviamente, há aspectos da atmosfera do Sol que permanecem muito mal compreendidos”, conclui o texto.
Esse paradoxo levou cientistas a realizarem experimentos de laboratório e pesquisas teóricas que, ao invés de fornecer uma solução, levantaram novas questões. Agora, um artigo publicado por Ernest Alsina Ballester, Luca Belluzzi e Javier Trujillo Bueno mostra uma solução para o paradoxo desconcertante.
Um primeiro avanço para a resolução do problema veio em 2013, quando Luca Belluzzi e Javier Trujillo Bueno descobriram um novo mecanismo através do qual a polarização linear pode ser produzida na linha espectral do sódio conhecida como D1, sem envolver desequilíbrios estranhos. Porém, aquele estudo foi feito para um modelo idealizado da atmosfera solar, sem campos magnéticos.
Dessa vez, a dupla, junto de Ballester, mostrou uma solução definitiva: eles conseguiram reproduzir as observações da polarização da linha D1 na presença de campos magnéticos, provando que isso é possível. Para alcançar este resultado, foi necessário realizar a modelagem teórica mais completa já feita deste sinal de polarização, contabilizando a ação conjunta de mecanismos físicos extremamente complexos.
O resultado tem consequências muito importantes, porque os sinais de polarização — como estes observados na linha D1 do sódio — oferecem informações fundamentais sobre os campos magnéticos presentes na cromosfera solar. Essa camada do Sol é, por sua vez, uma das principais “chaves” para a compreensão da física solar, incluindo a busca pela capacidade de prever as tempestades solares que podem danificar a nossa tecnologia eletrônica.
Em última instância, a solução do paradoxo da polarização prova também a atual teoria quântica da polarização da linha espectral. Isso abre novas possibilidades para explorar o magnetismo da atmosfera da nossa estrela.
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