Cientistas americanos dizem ter encontrado evidência de que a passagem de navios por duas das principais rotas de navegação do mundo tem efeitos no clima local.
Segundo um estudo publicado na revista científica Geophysical Research Letters, gases emitidos por navios transitando pelo Oceano Índico e o Mar da China Meridional, duas regiões de tráfego naval intenso, estariam “vitaminando” tempestades elétricas no percurso de embarcações, algo não registrado em áreas adjacentes e de clima semelhante.
De acordo com Joel Thornton, professor de Ciências Atmosféricas da Universidade Washington (EUA), isso ocorre porque partículas de fuligem, nitrogênio e enxofre presentes nos gases exaustores dos navios diminuem o tamanho de gotículas de chuva, fazendo com que subam mais alto na atmosfera.
Isso resulta na formação de mais partículas de gelo e mais raios.
Analisando registros de raios ao redor do mundo, em mais de um bilhão de ocorrências, Thornton e sua equipe constataram uma incidência de raios quase duas vezes mais frequente ocorrendo diretamente sobre as “avenidas aquáticas”.
“Temos um exemplo claro de como humanos estão mudando a intensidade de tempestades por meio da emissão de partículas de combustão. Temos evidência inédita de que estamos interferindo na formação de nuvens de forma contínua, e não em incidentes específicos como grandes incêndios florestais”, alerta o cientista.
A formação de nuvens tem influência nos padrões de chuva e pode resultar em mudanças climáticas ao influenciar a quantidade de luz solar que as nuvens refletem para o espaço.
Todos os motores de combustão emitem gases de escape, e as partículas de fuligem, hidrogênio e enxofre neles contidas, e conhecidas como aerossóis, formam o smog, nome dado camadas visíveis de poluição atmosférica comuns a grandes cidades.
Mas as partículas também atuam como núcleos de condensação de nuvens e “sementes de nuvens” – vapor d’água condensado ao redor de aerossóis forma gotículas, que posteriormente formam nuvens.
Navios de carga cruzando o oceano emitem gases de escape continuamente. O ar sobre os oceanos normalmente tem gotículas maiores, porque mais moléculas de águas precisam aderir a partículas. A adição de aerossóis ao ar resulta em mais partículas e gotículas menores.
E mais leves: essas gotículas viajam para pontos mais altos da atmosfera e um número maior que o normal congela. Quanto mais gelo atmosférico, maior é a formação de raios – nuvens ficam eletrificadas quando partículas congeladas se chocam umas com as outras e com gotículas – e o raio nada mais é que uma neutralização dessa carga.
“Quando fizemos um mapa dos raios, estava claro que os navios tinham alguma influência, pois os raios ocorriam praticamente em linha reta, sobrepostas às linhas de navegação”, explica outra cientista envolvida no estudo, Katrina Virts, que trabalha como meteorologista da Nasa, a agência espacial americana.
Quando estão no oceano, navios queimam mais combustível do que nos portos, emitindo mais aerossóis e formando mais raios, como explica Daniel Rosenfeld, cientista atmosférico da Universidade Hebraica de Jerusalém, comentando o estudo.
“Temos uma pistola fumegante – a prova de que a incidência de raios mais do que dobra em áreas oceânicas pristinas. O estudo mostra de forma clara a relação entre emissões antropogênicas e a formação de nuvens de tempestade“, declarou.
Thornton e sua equipe, porém, não constataram uma maior ocorrência de chuvas nas linhas de navegação. Os cientistas especulam que a poluição do ar em outras áreas do planeta pode também ter afetado tempestades.
Ciberia // BBC