Um novo modelo aproxima cientistas da compreensão dos tipos de sinais de luz produzidos quando dois buracos negros supermassivos, que têm milhões a bilhões de vezes a massa do Sol, espiralam em direção a uma colisão.
Pela primeira vez, uma nova simulação de computador que incorpora completamente os efeitos físicos da Teoria da Relatividade Geral de Einstein mostra que o gás em tais sistemas irá brilhar predominantemente no ultravioleta e em raios-X.
Normalmente, cada galáxia com o tamanho daVia Láctea ou maior contém um monstruoso buraco negro no centro. As observações mostram que fusões de galáxias ocorrem com frequência no Universo, mas, até agora, ninguém viu uma fusão desses gigantescos buracos negros.
“Sabemos que as galáxias com buracos negros supermassivos centrais se fundem regularmente no Universo, mas só vemos uma pequena fração de galáxias com dois perto dos seus centros”, comenta Scott Noble, astrofísico do Centro de Voo Espacial Goddard da NASA, em Greenbelt, no estado norte-americano de Maryland.
“Os pares que vemos não emitem sinais fortes de ondas gravitacionais porque estão muito longe um do outro. Nosso objetivo é identificar – apenas com a luz – pares ainda mais íntimos dos quais os sinais de ondas gravitacionais podem ser detectados no futuro.”
O artigo que descreve a análise da nova simulação da equipe foi publicado no dia 2 de outubro no Astrophysical Journal e está disponível online.
Os cientistas detectaram a fusão de buracos negros de massa estelar – que variam entre cerca de 3 a várias dúzias de massas solares – usando o LIGO (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory) da NSF (National Science Foundation).
As ondas gravitacionais são ondulações no espaço-tempo que viajam na velocidade da luz. Elas são criadas quando objetos massivos em órbita, como buracos negros e estrelas de nêutrons, espiralam na direção um do outro e se fundem.
As fusões supermassivas seriam muito mais difíceis de encontrar do que seus homólogos de massa estelar. Uma razão pela qual os observatórios terrestres não podem detectar ondas gravitacionais desses eventos é porque a própria Terra é muito barulhenta, tremendo com vibrações sísmicas e mudanças gravitacionais decorrentes de perturbações atmosféricas.
Os detectores têm que estar no espaço, como a missão LISA (Laser Interferometer Space Antenna) da ESA, com lançamento planejado para a década de 2030. Os observatórios que monitoram conjuntos de estrelas superdensas e de rápida rotação, chamadas pulsares, podem detectar ondas gravitacionais de fusões monstruosas.
Como faróis, os pulsares emitem feixes regulares de luz que passam pela nossa perspectiva da Terra enquanto giram. As ondas gravitacionais podem provocar pequenas mudanças no tempo desses flashes, mas até agora os estudos não produziram qualquer detecção.
Mas os binários supermassivos perto da colisão podem ter uma coisa que os binários de massa estelar não têm – um ambiente rico em gás. Os cientistas suspeitam que a explosão de supernova que produz um buraco negro estelar também afugenta a maior parte do gás circundante. O buraco negro consome o pouco que resta tão rapidamente que não sobra muito para brilhar quando a fusão acontece.
Por outro lado, os buracos negros supermassivos resultam de fusões de galáxias. Cada buraco negro supermassivo traz com ele uma comitiva de nuvens de gás e poeira, estrelas e planetas. Os cientistas pensam que uma colisão galática impulsiona grande parte desse material na direção dos buracos negros centrais, que o consomem numa escala de tempo semelhante à necessária para a fusão do binário.
À medida que os buracos negros se aproximam, as forças magnéticas e gravitacionais aquecem o gás restante, produzindo luz que os astrônomos são capazes de observar.
“É muito importante prosseguir de duas formas,” afirma a coautora Manuela Campanelli, diretora do Centro para Relatividade e Gravitação Computacional do Instituto de Tecnologia de Rochester, em Nova York, que iniciou o projeto há nove anos.
“A modelagem desses eventos requer ferramentas computacionais sofisticadas que incluem todos os efeitos físicos produzidos por dois buracos negros supermassivos que orbitam um ao outro a uma fração da velocidade da luz. Saber quais sinais de luz podemos esperar desses eventos vai ajudar à identificação em observações modernas. A modelagem e as observações serão então alimentadas umas às outras, nos ajudando a compreender melhor o que acontece nos corações da maioria das galáxias.”
A nova simulação mostra três órbitas de um par de buracos negros supermassivos a apenas 40 órbitas da fusão. Os modelos revelam que a luz emitida nesse estágio do processo de fusão pode ser dominada pela radiação ultravioleta com alguns raios-X altamente energéticos, semelhante ao que é visto em qualquer galáxia com um buraco negro supermassivo bem alimentado.
Três regiões de gás emissor de luz brilham à medida que os buracos negros se fundem, todas ligadas por correntes de gás quente: um grande anel que cerca todo o sistema, chamado disco circumbinário, e dois menores ao redor de cada buraco negro, chamados minidiscos.
Todos esses objetos emitem predominantemente raios UV. Quando o gás flui para um minidisco a uma alta velocidade, a luz ultravioleta do disco interage com a coroa do buraco negro, uma região de partículas subatômicas altamente energéticas acima e abaixo do disco. Essa interação produz raios-X. Quando a taxa de acreção é mais baixa, a radiação UV diminui em relação aos raios-X.
Com base na simulação, os cientistas esperam que os raios-X emitidos por uma fusão próxima sejam mais brilhantes e mais variáveis do que os raios-X vistos em buracos negros supermassivos individuais.
O ritmo das mudanças está ligado à velocidade orbital do gás, localizado na fronteira interior do disco circumbinário, bem como à velocidade orbital dos buracos negros em fusão. “A maneira como ambos os buracos negros refletem luz dá origem a efeitos complexos de lente”, realça Stéphane d’Ascoli, doutoranda na Écola Normale Supérieure, em Paris, autor principal do artigo.
“Algumas características exóticas foram uma surpresa, como as sombras em forma de sobrancelha que um buraco negro cria ocasionalmente perto do horizonte do outro.”
A simulação correu no supercomputador Blue Waters, do Centro Nacional de Aplicações de Supercomputação da Universidade de Illinois, em Urbana-Champaign. A modelagem das três órbitas no sistema levou 46 dias em 9.600 núcleos de computação.
Campanelli disse que a colaboração recebeu recentemente um tempo adicional para utilização do Blue Waters, a fim de continuar o desenvolvimento dos modelos.
A simulação original estimou as temperaturas do gás. A equipe planeja refinar seu código para modelar como os parâmetros variáveis do sistema, como por exemplo a temperatura, distância, massa total e taxa de acreção, afetam a luz emitida. Estão interessados em ver o que acontece com o gás que viaja entre os dois buracos negros, além de modelar períodos de tempo mais longos.
“Nós precisamos encontrar sinais na luz buracos negros supermassivos binários distintos o suficiente para que os astrônomos possam encontrar esses sistemas raros por entre a multidão de buracos negros supermassivos”, comenta o coautor Julian Krolik, astrofísico da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, nos EUA.
“Se pudermos fazer isso, podemos descobrir a fusão de buracos negros supermassivos antes que sejam vistos por um observatório de ondas gravitacionais espacial.”