O vice-presidente do Centro Gamaleya expôs as principais conclusões dos testes pré-clínicos e clínicos da vacina russa Sputnik V contra a COVID-19 e acentuou a imunidade gerada nos voluntários.
Enquanto a pandemia da COVID-19 já levou a vida de quase 800 mil pessoas em todo o mundo, países e instituições somam esforços para a criação e registro de uma vacina eficaz contra o coronavírus SARS-CoV-2.
Na tentativa de se criar tal medicamento, a Rússia se destacou, sendo o primeiro país a registrar uma vacina, a Sputnik V.
Contudo, surgiram dúvidas e incertezas sobre a eficiência do medicamento e a forma como o mesmo foi criado.
Para entender melhor o assunto, a Sputnik decidiu conversar com o vice-presidente do Centro Nacional de Pesquisa de Epidemiologia e Microbiologia Gamaleya, Denis Logunov.
Embora a vacina tenha sido anunciada poucos meses após o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ordenar a sua criação, Logunov explica que os investigadores realizaram uma série de testes.
“Realizamos todo um conjunto de testes pré-clínicos de segurança e eficiência da vacina, em seguida dois testes clínicos, nos quais a vacina foi estudada quanto aos indicadores de segurança e imunogenicidade com a ajuda de voluntários saudáveis”, disse o especialista.
Os testes acabaram provando o perfil seguro do medicamento, assim como a alta imunogenicidade (capacidade de gerar imunidade).
“Se citarmos os indicadores concretos e números que foram obtidos, então o nível médio de anticorpos nos voluntários foi de mais de um por 14.000, e quase um por 15.000. Já a seroconversão foi de 100% nos voluntários. O que é a seroconversão? É quando em uma pessoa os valores de anticorpos aumentam mais de quatro vezes em relação aos valores iniciais”, explicou.
“Foram ainda avaliados os parâmetros da imunidade humoral por reação da neutralização do vírus, ou seja, a inativação direta do vírus pelos anticorpos. Em todos os voluntários imunizados pela nossa vacina foram encontrados anticorpos neutralizadores do vírus, tanto após a aplicação da vacina em estado seco, quanto em estado líquido”, disse Logunov.
Outro fator relevante foi a resposta da imunidade celular, a qual produziu diferentes indicadores, em especial linfócitos T citotóxicos.
“Linfócitos T citotóxicos, os quais eliminam do organismo células infectadas pelo vírus, foram encontrados em todos os voluntários vacinados. Desta forma, quanto à imunogenicidade foram obtidos resultados muito bons”, afirmou.
Apesar dos temores do momento, Logunov disse que as reações indesejadas, mas esperadas, que se manifestaram nos voluntários foram febre e dores no local da aplicação da vacina. Contudo, nem todos os que participaram dos testes passaram por tal desconforto.
Números mais precisos sobre tais reações adversas serão publicados em breve, de acordo com Logunov.
Enquanto alguns temem resultados negativos do medicamento em pessoas com perfis diferentes, Denis Logunov afirmou que ao todo dos testes participaram 76 pessoas de diferentes idades.
“Na primeira fase participaram 38 pessoas e, na segunda fase, outras 38. Os dois protocolos [dos testes] se diferenciaram pelo fato de a forma de agregação [da vacina] ter sido diferente, mas a substância ativa foi a mesma. Em uma forma [se utilizou] a desidratação do produto por liofilização, na outra por congelamento. Ou seja, a substância ativa foi uma, mas em duas formas distintas da vacina, por isso foram 76 pessoas”, explicou.
Já a faixa etária dos voluntários foi de 18 anos a 60 anos, tanto na primeira quanto na segunda fase.
Apesar da rapidez russa em apresentar o medicamento ao mundo, o especialista explicou como foi possível a primazia do Centro Gamaleya em relação às outras instituições científicas no desenvolvimento da vacina, quando o mesmo processo pode levar anos.
“Não é correto afirmar que pensamos em criar uma vacina ‘do zero’ em pouco tempo. Desde o momento do desenvolvimento da tecnologia de vetores de adenovírus até a implantação da vacina, na prática passaram quatro décadas. Nestes 40 anos foi criada uma plataforma tecnológica, a qual foi testada em dezenas de milhares de pessoas na base do vetor do quinto serotipo, assim como na base do 26°. Só desde 2015 foram inoculadas 30 mil pessoas com vacinas na base de vetores de adenovírus desenvolvidos no Centro Gamaleya”, pontuou o vice-presidente do órgão.
Por isso, é um erro afirmar que a vacina foi desenvolvida em apenas cinco meses, quando na verdade o processo de criação levou dezenas de anos.
Além disso, vacinas utilizando vetores de adenovírus também foram criadas pela mundialmente conhecida Johnson & Johnson e pela chinesa CanSino.
Tais plataformas já foram usadas e muitas vezes testadas, tendo servido para a criação de vacinas contra ebola.
“Além dos resultados dos testes clínicos que mostram a segurança de tais plataformas na base dos vetores de adenovírus, pode-se acrescentar que todos nós adoecemos com adenovírus, mas ninguém nunca teve consequências do tipo de problemas somáticos. Os americanos conduziram grande trabalho de imunização de pessoas com adenovírus do quarto e sétimo serotipos. Eles vacinam com adenovírus todos os novos recrutas que ingressam no Exército dos EUA. Um grande teste retrospectivo correlacionado, com mais de 100 mil pessoas vacinadas, não detectou nenhuma rejeição”, disse.
Além disso, a humanidade vive com os adenovírus há milhões de anos, não havendo nenhuma associação com patologias somáticas após as infeções por adenovírus.
“[Além do mais] nós não trabalhamos com adenovírus vivos, mas com vetores de adenovírus, que são vírus que tiveram partes de seu genoma removidas e são incapazes de se reproduzir nas células humanas”, ressaltou.
Desta forma, tais adenovírus não apresentam risco aos seres humanos, uma vez que seus vetores são incapazes de se reproduzir.
Logunov também se baseou em milhares de testes de vetores, incluindo grande quantidade de testes clínicos.
Detalhando o uso dos vetores, o especialista afirmou que tais plataformas permitem aos cientistas criar novos produtos, a exemplo, a vacina Sputnik V.
“É possível clonar rapidamente o gene necessário, neste caso, o gene com o código da proteína S do coronavírus, o mesmo espigão que forma a ‘coroa’ do SARS-CoV-2. Tal espigão é necessário levar até o organismo para formar a imunidade. A síntese do gene e seu clone no vetor é a parte mais rápida do trabalho. Tudo o que eu disse, até isso sobre o estudo dos próprios adenovírus, pesquisa e obtenção dos vetores dos adenovírus, criação da plataforma tecnológica, leva dezenas de anos. Por isso, não se pode chamar [a criação da vacina] de uma história rápida. A história rápida começou quando a plataforma tecnológica apareceu em nossas mãos”, concluiu.
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