Afinal, a mumificação egípcia é anterior à Era dos Faraós

Museu Egípcio, Turim

A múmia pré-histórica S. 293, preservada em Turim desde 1900

É oficial: os egípcios mumificavam deliberadamente seus mortos muitos anos do que pensávamos. Análises forenses a uma múmia pré-histórica revelam que a prática remonta muito antes do Período Faraônico – é uma receita com mais de 5 mil anos. 

Análises forenses realizadas numa múmia pré-história (a S. 239) revelam que a prática de mumificação dos egípcios já acontecia há, pelo menos, 5.600 anos – cerca de 1.500 anos antes do que era considerado até então.

A investigação teve por base uma das mais antigas múmias intactas do mundo, que data de 3.700 a 3.500 a.C. Este é o mais antigo corpo humano preservado no Museu Egípcio, em Turim, na Itália.

“Nossas descobertas representam a incorporação literal dos pioneiros da mumificação clássica, que mais tarde veio a se tornar um dos pilares centrais e icônicos da antiga cultura egípcia”, disse o arqueólogo e químico Stephen Buckley, da Universidade de York, no Reino Unido.

A múmia S. 293 estava em Turim desde 1900, quando foi comprada pelo arqueólogo e egiptólogo italiano Ernesto Schiaparelli. Apesar de ter chegado à cidade italiana sem qualquer documentação sobre sua origem, nunca foi realizado nenhum estudo nem qualquer tratamento de conservação à múmia.

Até então, pensava-se que, assim como as múmias encontradas em Gebelein, no Egito, a Múmia S. 293 tivesse sido mumificada naturalmente – que o calor, a salinidade e a secura do deserto egípcio tivessem preservado o corpo, sem qualquer intervenção humana.

No entanto, a análise mais recente revelou que a múmia pré-histórica tinha agentes conservadores e foi possível descrever a “receita” utilizada. Segundo os pesquisadores, a mumificação tinha por base um óleo vegetal (possivelmente óleo de gergelim), que era o elemento dominante.

A este, misturava-se uma resina de conífera importada do Oriente (possivelmente resina de pinheiro), uma planta do tipo “bálsamo”, um extrato vegetal aromático e uma goma vegetal feita através de plantas (um açúcar natural que pode ter sido extraído da acácia).

A resina, quando misturada com o óleo, traria suas propriedades anti bacterianas e protegia o corpo da decomposição, apontam os cientistas no estudo publicado na semana passada no Journal of Archaeological Science.

“Até então, não tivemos uma múmia pré-histórica que realmente demonstrasse – de forma tão perfeita através da química – as origens do que se tornaria a mumificação icônica que conhecemos hoje em dia”, explicou Buckley em declarações à BBC.

Pesquisa começou têxteis egípcios

A pesquisa começou anos antes. A equipe já tinha encontrado evidências de mumificação precoce em tecidos utilizados nas cerimônias fúnebres.

Em artigo publicado em 2014, os pesquisadores explicavam que as substâncias encontradas nos têxteis egípcios utilizados para envolver múmias pré-históricas eram consistentes com os agentes de embalsamento.

Os tecidos estudados datavam de 4 mil a.C., sendo muito mais antigos do que o período até agora considerado como o começo dos processos de embalsamento e mumificação.

“Supostamente, a mumificação em geral começou por volta de 2.600 anos a.C., quando a Grande Pirâmide estava sendo construída”, explicou Buckley, convicto de que as novas pesquisas permitem agora concluir “haver evidências de que a preservação do corpo começou mais cedo do que isso”.

No entanto, para confirmar, os cientistas precisavam testar em uma múmia real e, tendo em conta que a S. 293 não tinha tido qualquer contato com produtos químicos conservantes, a múmia pré-histórica era o exemplar perfeito.

“Combinando análise química com exame visual do corpo, investigações genéticas, datação por radiocarbono e análise microscópica dos revestimentos de linho, confirmamos que esse processo ritual de mumificação ocorreu por volta de 3.600 a.C. Foi feito em um homem que teria entre 20 e 30 anos quando morreu”, explicou Jana Jones, egiptólogo e especialista em práticas funerárias egípcias antigas da Universidade Macquarie, em Sydney, Austrália.

Buckley explica ainda que o fato dessa mesma receita continuar a ser usada quase 2 mil anos depois para embalsamar faraós significa que há uma espécie de identidade pan-egípcia muito antes da formação do primeiro estado-nação do mundo em 3.100 a.C. Suas origens remontam a muito mais cedo do que pensávamos”

Ao longos dos anos, os egípcios foram depois aperfeiçoando a “receita” que protegia e conservava os mortos. Os principais passos da mumificação eram a remoção do cérebro e dos órgãos internos, a colocação do corpo em um sal natural para ficar seco, o revestimento do corpo na receita de embalsamamento para matar bactérias, a envolvência do corpo em linho.

“Foi a secagem e a receita de embalsamamento que foram fundamentais para a preservação”, para quem “a mumificação estava no coração da cultura egípcia”.

“A vida após a morte era apenas uma continuação do desfrutar da vida. Mas os egípcios precisavam que o corpo fosse preservado para que o espírito tivesse um lugar para residir”, concluiu o cientista.

Ciberia // BBC / ZAP

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