Nos últimos dois anos, 37 vereadores brasileiros foram assassinados. A morte de Marielle Franco, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), levanta agora a discussão sobre o tema em um país já “habituado” à violência e insegurança.
A morte da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco, no dia 14 de março, chocou o Brasil e o mundo. O povo saiu às ruas, não só em várias cidades brasileiras, como também em outros países. “Quem matou Marielle?” é o que todos querem saber.
Uma semana depois se deu mais um assassinato, desta vez, Paulo Teixeira, do Partido Trabalhista do Brasil (PTB), vereador suplente no município de Magé, na região metropolitana do Rio de Janeiro. O crime foi semelhante ao da ativista do PSOL e há suspeitas de crime político.
Marielle foi morta com quatro tiros na cabeça, no interior de um automóvel, quando saía de um evento sobre o papel das mulheres negras na sociedade brasileira no bairro da Lapa. Já o vereador do PTB também estava no carro quando foi atingido por vários tiros, que causaram a sua morte.
Esses casos, que muitos referem se tratar de “crimes políticos”, são, segundo o Público, apenas dois dos 37 casos de vereadores assassinados nos últimos dois anos. Por falta de dados oficiais, várias instituições avançaram com seus próprios estudos.
Caso do levantamento efetuado pelo site Congresso em Foco, escreve o jornal, que contou pelo menos 36 vereadores mortos entre janeiro de 2016 e março deste ano (o número sobe agora para 37 com o assassinato do vereador suplente). Segundo a estatística, o estado do Ceará lidera o ranking, com sete políticos assassinados, seguido pelo Maranhão e o Pará, com quatro cada.
O Globo também fez sua pesquisa e chegou a um número maior porque incluiu, além dos vereadores, ex-vereadores, prefeitos e antigos prefeitos. No total, 40 pessoas assassinadas em dois anos.
Em um âmbito mais alargado, o jornal Valor Económico, que usou dados da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, concluiu que, entre 2000 e 2016, foram assassinados 79 candidatos eleitorais, onde 91% eram candidatos municipais (os dois casos mais recentes não entram nesse levantamento porque não estavam em campanha).
Apesar de as autoridades não terem ainda chegado aos culpados, o nível de organização e de método destes casos faz com que alguns analistas apontem para as milícias, escreve o Público.
“Não queremos colocar Marielle num pedestal”
Perante a onda de “especulação pesada” sobre a vida da vereadora, como por exemplo que Marielle seria financiada por traficantes de droga ou de que teria sido casada com um famoso traficante, conhecido como Marcinho VP, a irmã Anielle Silva conta à BBC que os últimos dias têm sido difíceis.
“Marielle não tem que ser colocada num pedestal, não é isso que queremos”, afirma. “Mas ela era uma líder que lutava pelas minorias e contra tudo aquilo que vemos acontecer todos os dias no Rio. As pessoas não entendem isso. Dizem que era uma mulher negra e que, todos os dias, morrem outras mulheres negras. Acho que estão simplificando demais o que aconteceu. Marielle teve 46 mil votos, tinha 70 mil seguidores no Facebook. Era muita coisa. Fica o seu legado. Espero que se respeite o seu legado“, acrescenta.
Marielle cumpria seu primeiro mandato como vereadora da cidade, tendo sido a quinta candidata mais votada nas eleições de 2016. Em 2018, a ativista seria lançada como candidata a vice-governadora, ao lado do vereador Tarcísio Motta, que iria concorrer a governador pelo PSOL. “Ela estava no auge. Estava vivendo tudo o que queria viver”.
“Estava fazendo tudo o que podia. Tinha uma ação na zona sul, estava lá. Tinha outro na zona oeste, estava lá. Ia discursar num evento em Harvard em abril, estava muito animada”, conta a familiar.
Socióloga de 38 anos, batizada de “filha da Maré” por ser originária da favela com o mesmo nome, uma das áreas mais violentas do Rio, Marielle era a relatora da comissão da Câmara de Vereadores criada para fiscalizar a intervenção militar, que muito criticou.
Na mesma entrevista, a irmã conta que a repercussão mundial do caso tem sido uma forma de alento para a família. “Ver essa comoção nos acalma, nos conforta. Demonstra o quanto ela era grande e como estava se tornando maior ainda”, diz.
Anielle prefere não tecer especulações sobre quem estaria por trás da morte da irmã. Mas acha que foi morta “porque estava incomodando muito“. “Posso estar enganada, pode ter sido só maldade. Mas acho que viram que ela saiu lá de baixo e estava ali, vencendo, ganhando voz, visibilidade, indo a todo canto para falar, defender suas causas, conseguindo aglomerar mais gente à sua volta”.
“Nunca teve papas na língua. Se ela tivesse que falar, reclamar, falava, sem medo. Acho que viram muito potencial ali e quiseram calá-la antes que ela fosse mais à frente. “Mas eu acredito na Justiça, quero acreditar que vão conseguir solucionar o caso. Eu preciso acreditar”, conclui.
Ciberia // ZAP