“Vim pra ocupação porque o aluguel estava muito caro e minha renda diminuiu. Eu procurei me adaptar a um lugar compatível com a minha renda”, disse o vendedor Antonio Davi, de 76 anos, que morava no edifício Wilton Paes de Almeida, localizado no Largo do Paiçandu e que desabou na madrugada da última terça-feira (1º).
Ele perdeu parte da renda com a venda de purificadores de água e produtos de limpeza nos últimos anos, saiu de um apartamento alugado por R$ 600 na Vila Mariana, na zona sul da cidade, e passou a morar o prédio ocupado, onde pagava R$ 220, há um ano e três meses.
“Foi difícil [a mudança para o prédio ocupado], a adaptação foi difícil, muito difícil, mas o ser humano se adapta”, disse.
A situação de Antonio é a mesma de, pelo menos, 360 mil famílias no município de São Paulo que não têm onde morar. O número corresponde ao deficit habitacional da cidade, de acordo com a Secretaria Municipal de Habitação. Até 2020, a prefeitura pretende entregar 25 mil unidades habitacionais.
Levando em conta o orçamento de R$ 580 milhões anuais para construção de moradias, a estimativa, da própria prefeitura, é de que levará cerca de 120 anos para zerar o atual deficit.
Diante do cenário, muitos que não conseguem comprar a casa própria nem pagar um aluguel passaram a recorrer às ocupações de imóveis. A capital paulista registra 206 ocupações – de prédios e terrenos – que abrigam 46 mil famílias, segundo dados do Grupo de Mediação de Conflito da secretaria. Somente no centro da cidade, são 70 prédios ocupados com aproximadamente 4 mil famílias.
Após o incêndio e desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, a prefeitura anunciou vistoria dos 70 prédios na região central, o que gerou preocupação de representantes dos movimentos sociais com possíveis ações de reintegração de posse dos imóveis.
Na última quarta-feira (2), o prefeito Bruno Covas disse que poderia acionar a Justiça caso seja confirmado, em futuras vistorias, que os prédios não estão em condições de uso. Além das ocupações, mais 830 mil domicílios estão em assentamentos precários e precisam de algum tipo de melhoria, conforme informações da prefeitura.
Covas disse que, neste ano, seis reuniões tinham sido realizadas entre a secretaria de Habitação e moradores do edifício que desabou, com a finalidade de negociar uma desocupação.
Ele admitiu que, na avaliação da prefeitura, o prédio não estava adequado e não tinha as “condições necessárias” para moradia. Segundo movimentos sociais, foi oferecido somente o recebimento do auxílio-aluguel pelo prazo de 12 meses – no valor de R$ 400 – e inserção dos moradores na fila de programas habitacionais.
De acordo com o coordenador nacional do Movimento Nacional da População de Rua, Darcy Costa, o valor não é suficiente para uma família alugar um imóvel, o que leva a viverem na rua ou em ocupações. “A questão é que as pessoas não têm onde morar. Com esse valor, a pessoa não tem outro lugar para morar a não ser em uma ocupação”, disse.
“São situações que a própria prefeitura cria por falta da política pública, temos uma necessidade enorme em São Paulo, um deficit enorme, e nós temos também 290 mil imóveis vazios em São Paulo que poderiam ser utilizados para locação social”, acrescenta.
Já a prefeitura paulistana informou que não tem o levantamento de quantos imóveis estão vazios e que poderiam ser utilizados.
As investigações apontam que o incêndio que causou o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida foi causado por um curto-circuito em uma tomada de um cômodo no quinto andar. O espaço era ocupado por uma família de quatro pessoas. O pai e uma das crianças ficaram feridos com queimaduras graves.
Em relação à possibilidade de os moradores serem responsabilizados pelo ocorrido, Costa defende que não pode haver uma inversão de responsabilidade.
“O estado tem que se colocar na posição dele e ver onde é que ele falhou, ver a situação de cada pessoa, a necessidade de cada um, as pessoas têm vários tipos de necessidades. [E não] culpar uma pessoa que não tem onde morar, que vive no subemprego, que tem que ir para uma ocupação para ter um endereço”.
Com o desabamento, os moradores foram levados para centros de acolhida do município, onde devem ficar temporariamente. Mas alguns moradores reclamam que os albergues não conseguem abrigar adequadamente.
“[Estar em] situação de albergue, é melhor estar na rua. Porque não tem acolhimento necessário, tem muito pouco espaço. O efeito [de uma solução como os abrigos] não é compatível com a família. Para uma pessoa só, até que sim, mas para uma família não”, disse Adilson da Silva, 48 anos, que morava com a mulher e o filho no prédio que desabou.
“Ninguém quer [moradia] de graça, a gente sabe que vai pagar uma prestação, a gente sabe que vai pagar água, a gente sabe que vai pagar luz, a gente sabe que vai pagar um condomínio. É isso que a gente quer”, acrescentou.
Ciberia // Agência Brasil