A notícia da morte de Barry e Honey Sherman rodou o mundo em dezembro: o casal bilionário, amplamente reconhecido em sua comunidade, foi encontrado asfixiado em sua mansão, em Toronto, no Canadá.
O caso, desde então, tem levantado intrigas – de negócios e familiares – e ocupado a atenção da opinião pública canadense, sobretudo porque Barry Sherman era um magnata da indústria farmacêutica, o 15º homem mais rico do país, e sua mulher, uma conhecida filantropa.
Além disso, diversas disputas judiciais envolvendo os Sherman fizeram parte do noticiário do país ao longo das últimas décadas.
Segundo a polícia, um corretor imobiliário acidentalmente encontrou Barry e Honey mortos, no deck da piscina de onde moravam, em “posição semi-sentada”, pendurados por cintos presos a um corrimão. Não havia, segundo a polícia, quaisquer evidências de invasão ao domicílio.
A hipótese inicial era de que Barry tivesse matado a mulher e se suicidado, mas, em 26 de janeiro, os investigadores afirmaram acreditar que se trata de um duplo homicídio – a princípio, sem suspeitos.
O funeral do casal foi acompanhado por mais de 10 mil pessoas, inclusive o premiê canadense, Justin Trudeau. Esse alto comparecimento não chegou a surpreender, uma vez que os Sherman acumulavam fortuna estimada em US$ 3 bilhões e, de alguma forma, afetaram boa parte dos canadenses.
‘Yin e yang’
No funeral, Jonathon, um dos 4 filhos do casal, descreveu seus pais como “yin e yang”. “Eles completaram um círculo que englobava tudo o que é importante sobre o que significa ser humano”, disse. “Nenhum deles era perfeito, mas juntos eram equilibrados e excepcionais.”
De origem humilde e filha de poloneses sobreviventes do Holocausto que emigraram ao Canadá, Honey era tida como amável, como o “ímã que mantém a família unida” e uma amante de festas.
Barry se autodescrevia como workaholic, alguém que levava material de trabalho para ler durante as férias. Era um ateísta fervoroso, um homem de negócios agressivo e um pai ao mesmo tempo amoroso e frequentemente ausente.
O casal estava junto desde 1970 e era descrito como bastante unido. Honey se assegurava de que Barry estava bem vestido para festas e eventos de gala, escolhendo de suas roupas a suas meias.
“Eram como a fechadura e a chave, cada um inútil por si só. Mas juntos vocês destrancaram o mundo inteiro para si mesmos, para nós e para muitas outras pessoas”, afirmou o filho.
O legado filantropo dos Sherman é grande. Eles doaram milhões de dólares a hospitais, organizações judaicas, universidades e ONGs. Por meio de sua fundação, a Apotex também doou cerca de US$ 40 milhões ao redor do mundo, inclusive mandando medicamentos a uma organização no Quênia.
Ainda assim, Barry e Honey não costumavam ostentar riqueza. Em uma entrevista à imprensa canadense em 2008, Honey falou que temia a influência do dinheiro na criação de seus filhos e tentava fazer com que eles tivessem “uma percepção da realidade”. Barry era conhecido por dirigir carros até que eles estivessem “prontos para o ferro velho”.
Agressividade nos negócios
Barry aprendera sobre o mercado farmacêutico com sua família, trabalhando em uma empresa de medicamentos de seu tio até fundar a Apotex. Mas sua ascensão profissional foi acompanhada de diversas polêmicas, sobretudo na Justiça: ele era conhecido por usar processos judiciais para erguer seu império e defender seus interesses comerciais.
A Apotex foi envolvida em mais de mil processos judiciais no Canadá, em tentativas de usar o sistema legal para contestar patentes de medicamentos e, assim, fazer versões genéricas.
“É defintivamente a mais litigiosa empresa farmacêutica no Canadá“, disse o professor de Direito da Universidade de Ottawa Amir Attaran. “É justo dizer que, pela forma como ele conduziu seus negócios, ele teria muitos inimigos.”
Os canadenses pagam um dos preços mais altos do mundo em genéricos, e Attaran argumenta que as práticas comerciais de Sherman contribuíram para isso. “Ele era antiético nos negócios. Seus medicamentos eram sobreprecificados“, afirmou o professor no Twitter. Questionada a respeito, a Apotex não respondeu.
Para Murray Rubin, amigo de Barry havia 50 anos, este era “muito gentil como pessoa, muito duro como homem de negócios“. Além disso, Barry se envolveu em conflitos públicos que perduraram por anos.
Nos anos 1990, a Apotex bateu de frente com Nancy Olivieri, uma hematologista do Hospital Infantil de Toronto por conta dos resultados negativos das pesquisas relacionadas a um dos medicamentos da empresa.
Quando a hematologista Nancy Olivieri disse que precisava informar os riscos do medicamento aos pacientes envolvidos nas pesquisas, a Apotex – que contestava os resultados – ameaçou processá-la. Oliveiri foi a público mesmo assim. Posteriormente, Barry Sherman chamou-a de “louca” em uma entrevista televisiva.
Disputas familiares
Por fim, há as disputas familiares relacionadas aos Sherman. Em setembro passado, Barry venceu uma disputa legal com os Winter, grupo de primos seus que exigiam 20% do controle acionário da Apotex. Eles argumentavam que Barry havia desrespeitado um acordo prévio.
O caso se desenrolou por anos e sob os olhares atentos da imprensa canadense. A Corte Suprema do Estado de Ontário decidiu em favor de Sherman, mas ainda cabe recurso.
Ao mesmo tempo, Barry Sherman também processou os Winter por 8 milhões de dólares canadenses referentes a um empréstimo – e ganhou. Na semana anterior à morte do casal, uma ordem judicial havia determinado que os primos pagassem 300 mil dólares canadenses a Sherman, por custos legais.
Rubin, o amigo de longa data de Sherman, afirma que, ainda que este fosse duro, não consegue imaginar quem poderia matá-lo e a Honey com tamanho “ódio”. “Não acredito que meu amigo tenha morrido desse modo horrível”, diz.
“O enigma é quem fez isso e por quê?”. E o mistério persiste…
// BBC