Lagartos do Caribe que sobreviveram à temporada de furacões de 2017 têm agora mais capacidade para se agarrar. Os animais parecem estar evoluindo para resistir às tempestades tropicais que assolam seus habitats.
O estudo, publicado na revista Nature semana passada, é o primeiro a demonstrar os efeitos da seleção natural induzida por furacões.
Os cientistas descobriram que os animais que sobreviveram ao furação não tinham os dedos das patas muito grandes. Além disso, tinham membros dianteiros maiores e as pernas traseiras menores, em comparação com a espécie “pré-furacão”.
O ano de 2017 foi um dos piores que a região do Oceano Atlântico já vivenciou. O furacão Harvey assolou a região em meados de agosto de 2017, seguindo-se poucas semanas depois o furacão Irma e o furação Maria. Cada uma das tempestades tinha ventos que sopravam entre 113 e 201 quilômetros por hora.
Com os desastres, alguns dos lagartos tropicais que viviam nos ilhéus mais remotos de Turks e Caicos sobreviveram e outros acabaram por morrer.
“Os furacões parecem que estão se tornando mais destrutivos”, disse Jonathan Losos, professor de biologia da Universidade de Washington em St. Louis, EUA. “Algo como isso nunca foi documentado antes, porque é muito difícil.
“O momento tinha que ser apenas o certo”, explicou o professor.
Em setembro de 2017, Colin Donihue, pesquisador da Universidade de Harvard, concluiu medições sobre anêmonas endêmicas de Turks e Caicos – a Anolis scriptus. O cientista recolhia dados que seriam a base de um projeto sobre a erradicação de várias espécies invasoras a longo prazo, quando o Irma começou a ameaçar a zona.
O furacão atingiu o país em de setembro de 2017. Donihue recebeu a notícia da enorme devastação que o furacão tinha provocado e percebeu que seus dados sobre lagartos poderiam ter um maior valor além do objetivo original. O cientista tinha estado recentemente na região e estudado a espécie.
As tempestades poderiam ser um “evento seletivo” – um acontecimento com o poder de mudar não só o decorrer da vida dos lagartos da região, mas também as gerações futuras da espécie. Por isso, Donihue voltou à região afetada pelo desastre.
Procedimento experimental
De volta às ilhas, Donihue encontrou tudo em uma enorme confusão. Havia árvores caídas e galhos espalhados que dificultavam o acesso a alguns lugares – mas havia sinais de vida.
“Ao voltar a Pine Cay, não tínhamos certeza do que iríamos encontrar, mas quando chegamos lá e vimos alguns lagartos correndo. Estávamos ansiosos para encontrá-los e começar a medir”, contou o cientista.
“Nós percorremos exatamente os mesmos caminhos que fizemos da última vez, havia definitivamente menos lagartos e tivemos que trabalhar mais para recolher o número necessário para completar a amostra.”
A equipe passou dois dias recolhendo 100 lagartos em duas ilhas separadas. Depois, foram comparados com os membros recolhidos da primeira vez. Foram medidos os membros posteriores e anteriores, bem como as zonas protetoras que cobrem os dedos.
“A previsão era de que, se encontrássemos qualquer mudança, seriam alterações relacionadas com as características que ajudam os lagartos a se agarrar. Seria algo relacionado à capacidade de agarrar”, explicou Donihu
“Por exemplo, os dedos pegajosos nos dedos das mãos e dos pés, talvez fossem maiores“, exemplificou.
Segundo os cientistas, os animais que sobreviveram ao furação tinham proporcionalmente as pernas da frente mais longas do que a amostra recolhida “pré-furação”. Já os ossos entre os quadris e os joelhos das patas traseiras – os fêmures – eram mais curtos.
A população sobrevivente tinha ainda corpos menores e que havia poucos lagartos com grandes dedos nos pés. As observações realizadas foram estatisticamente significativas e consistentes em ambos os locais da ilha.
Seleção natural induzida
“No que respeita à evolução, a questão é se os furacões causam mortalidade seletiva: ou seja, indivíduos com certas características sobrevivem mais que indivíduos com características diferentes?”, apontou o pesquisador.
De acordo com Losos, “a possibilidade alternativa é que houve uma devastação tão grande que a mortalidade foi indiscriminada, não favorecendo alguns indivíduos em detrimento de outros. É certamente possível”.
Os resultados desse estudo – que mostram que ambas as populações insulares de lagartos mudaram significativamente e da mesma forma, após o furação –, até sugerem que a seleção natural favoreceu indivíduos com determinadas características.
No entanto, os cientistas não descartam outras possibilidades. “Talvez o furacão tenha exterminado os lagartos com dedos e maiores patas traseiras mais curtas. Ou talvez o próprio ato de se agarrar aos galhos frente aos ventos fortes tenha feito com que as patas aumentassem de comprimento”.
“Não podemos descartar essas possibilidades. Ainda assim, a seleção natural induzida por furacões parece ser a melhor explicação para a descobertas”, reiterou Losos.
O que falta é entender nesta história a parte comportamental. Os pesquisadores não sabem como os lagartos se comportam e reagem face a um furacão.
Tendo em conta que os furacões estão se tornando mais frequentes, os cientistas pretendem agora investigar como o seu impacto nessas pequenas ilhas impulsiona a evolução das espécies.
Ciberia // ZAP