Manifestação em Jalalabad é reprimida com violência, apenas horas depois de líder talibã declarar não querer que Afeganistão volte a ser campo de batalha.
A mensagem de moderação e tolerância que a liderança do grupo fundamentalista Talibã se esforça em transmitir foi pela primeira vez posta à prova nesta quarta-feira (18/08) com protestos na cidade de Jalalabad contra a tomada de poder pelo grupo no Afeganistão.
A manifestação foi reprimida com violência por combatentes talibãs, que dispararam suas armas contra a multidão e agrediram manifestantes e jornalistas, informou o jornal The New York Times. Outro protesto ocorreu em Khost, no sul do Afeganistão.
Desde que tomaram a cidade de Jalalabad, perto da fronteira com o Paquistão, quatro dias atrás, os talibãs têm dado demonstrações de força, circulando pelas ruas em veículos que eram da polícia.
Mesmo assim, centenas de pessoas se deslocaram pela principal rua comercial de Jalalabad para protestar contra o grupo, exibindo a bandeira da república afegã. Combatentes talibãs deram tiros para o ar, e como a multidão não se dispersou, atacaram os manifestantes. Não está claro se há mortos ou feridos.
A reação contrasta com as declarações dadas pelo principal porta-voz talibã, Zabihulla Mujahid, na primeira entrevista à imprensa desde que o grupo tomou o poder no Afeganistão. “Não queremos que o Afeganistão volte a ser um campo de batalha. A partir de hoje, a guerra acabou”, disse ele nesta terça-feira.
Na entrevista, Mujahid se esforçou para transmitir uma mensagem de reconciliação e unidade no país e declarou uma anistia geral e a permissão para que mulheres trabalhem.
“Não queremos que ninguém saia do país, este é o seu país, esta é a nossa pátria comum, temos valores em comum, uma religião em comum, uma nação. Há uma anistia geral, então não haverá hostilidades”, afirmou o principal porta-voz talibã, que pela primeira vez em décadas apareceu publicamente.
Em tom de reconciliação, ele disse que ninguém deveria ter medo de ficar no Afeganistão, mesmo aqueles que lutaram contra o Talibã ou que trabalharam para o inimigo durante os 20 anos de guerra.
“Perdoamos todos em prol da estabilidade no Afeganistão”, anunciou o porta-voz. Mujahid insistiu que o que aconteceu durante a guerra, na qual os talibãs tiveram de enfrentar “uma grande força de ocupação”, ocorreu no contexto dos combates.
As declarações foram recebidas com ceticismo por muitos afegãos, que ainda se lembram do regime talibã anterior, entre 1996 e 2001, com severas restrições à presença das mulheres na vida pública e com apedrejamentos, amputações e execuções públicas.
Aeroporto é a saída
Em Cabul, muitas pessoas estão acampadas do lado de fora do aeroporto, esperando por uma oportunidade de entrar no complexo e conseguir embarcar num avião que as leve para fora do país.
O governo dos Estados Unidos comunicou que o Talibã concordou em dar livre passagem aos afegãos que forem ao aeroporto de Cabul. Não está claro, porém, até quando eles teriam prazo para isso.
O conselheiro de segurança nacional Jake Sullivan confirmou os relatos de que algumas pessoas estavam sendo impedidas de chegar ao aeroporto de Cabul por combatentes talibãs, mas disse que um grande número não estava encontrando resistência.
Funcionários do Pentágono disseram que aviões para retirada de pessoas estão decolando normalmente e em ritmo acelerado e que mantêm comunicação regular com líderes do Talibã. Soldados americanos continuam chegando ao Afeganistão para garantir a segurança do aeroporto, e o número total deve chegar a 6 mil nos próximos dias.
Governo em formação
Diante dos jornalistas em Cabul, incluindo mulheres, o porta-voz Mujahid disse que o Afeganistão terá um “governo islâmico forte” e inclusivo, com todos os setores da sociedade representados, e que manterá boas relações com todo o mundo.
Ele afirmou que o novo governo ainda está sendo negociado. As negociações ocorrem entre líderes do Talibã e políticos afegãos, como o ex-presidente Hamid Karzai e o enviado de paz do antigo governo, Abdullah Abdullah, informaram as agências de notícias AP e Reuters.
Mujahid garantiu que o território afegão não será utilizado como base para atacar outros países, em referência a uma das principais exigências dos Estados Unidos para reconhecer um governo talibã.
Direitos das mulheres
Uma das perguntas mais feitas durante a entrevista foi sobre a situação das mulheres no Afeganistão sob o regime talibã. O porta-voz repetiu que as mulheres serão autorizadas a trabalhar e a estudar, mas de acordo com a lei islâmica.
“Vamos permitir que as mulheres trabalhem e estudem. As mulheres serão uma parte muito ativa da sociedade, mas no âmbito da sharia (lei islâmica). As mulheres são necessárias e vão ser autorizadas a trabalhar. A questão da mulher é muito importante, o islã está comprometido com os direitos da mulher conforme a sharia. Elas estarão em diferentes áreas sobre a base das nossas normas e regulações”, analisou.
“Não haverá nenhuma discriminação às mulheres, mas sempre dentro das margens que temos. As nossas mulheres são muçulmanas e também se alegram por viverem em conformidade com a sharia”, insistiu o porta-voz.
Entre as áreas nas quais as mulheres estarão envolvidas, o representante talibã destacou a educação e a saúde. Durante o regime talibã entre 1996 e 2001, as mulheres foram confinadas dentro de casa e não eram autorizadas a sair sem a companhia de um homem.
Poucas mulheres foram vistas nas ruas desde domingo, e há sinais de que a vida não será a mesma no Emirado Islâmico do Afeganistão, nome escolhido pelo Talibã para designar o país. Segundo a AFP, os homens trocaram as roupas ocidentais por trajes tradicionais, e a televisão estatal transmitia sobretudo programas islâmicos. Poucas mulheres têm se arriscado a sair de casa.
Liberdade de imprensa
Em relação aos veículos de comunicação, o porta-voz afirmou que o Afeganistão terá imprensa “livre e independente”, embora sempre em conformidade com a lei islâmica.
De acordo com Mujahid, os veículos de comunicação precisam ser imparciais e os jornalistas devem poder criticar o trabalho do governo, o que permitirá que “melhorem para servirem melhor a nação”. Os veículos, segundo ele, devem buscar a unidade nacional e dar destaque às diferenças étnicas e religiosas.