Uma das mais misteriosas espécies de baleias foi filmada pela primeira vez nos Açores, conjunto de ilhas no Atlântico que pertence à Portugal. Um momento privilegiado que deve ajudar a revelar os segredos das “baleias-bicudas-de-true”, que são “tímidas”, segundo pesquisadores.
O vídeo, captado por profissionais de uma empresa de observação de cetáceos da ilha de Santa Maria, está no centro de um artigo científico sobre as baleias-bicudas-de-true (Mesoplodon mirus), publicado pela editora de trabalhos científicos Peerj.
A bióloga Mônica Almeida e Silva, coordenadora do grupo de investigação em cetáceos do Instituto do Mar (IMAR) do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores, é co-autora do artigo que dá conta da identificação, sustentada pelo vídeo, de uma nova coloração da baleia-bicuda-de-true.
Esta espécie é “pouco conhecida, difícil de observar e registrar”, destacou a pesquisadora, evidenciando a importância do vídeo.
Espécie “tímida”
“Em mais de 20 anos de investigação, há poucos registros confirmados da observação desta espécie” que se pode dizer ser “tímida”, aponta a bióloga portuguesa.
O registro do novo padrão de coloração desta espécie de baleias deve ajudar à identificação dos animais no mar, trabalho essencial para o estudo dos seus hábitos e ciclos reprodutivos, que são fundamentais para definir ações de proteção da espécie.
“São animais que vivem em zonas pelágicas, em áreas muito profundas“, explica Mônica Almeida e Silva à Lusa, acrescentando que, geralmente, estas baleias se alimentam em zonas que têm no mínimo mil metros de profundidade, mas podem mergulhar ainda mais fundo.
Acontecimento raro
Um comunicado da Peerj sobre o artigo científico sublinha a importância do vídeo captado em Portugal, destacando que observar baleias-bicudas-de-true no oceano é um acontecimento tão raro que muitos pesquisadores, que dedicam a vida ao estudo de cetáceos, nunca viram uma delas.
“São vistas tão raramente que a sua identificação no habitat natural é quase sempre incerta, resultando numa grande escassez de dados sobre a distribuição geográfica da espécie, abundância e ciclos reprodutivos. Estas primeiras imagens, que incluem uma cria integrada num grupo de baleias, vão ajudar a revelar os segredos desta espécie”, adianta o texto.
Mônica Almeida e Silva informou ainda que uma baleia-bicuda desta espécie ficou encalhada na região em 2004, tendo sido feita a necropsia e recolha biológica, que serviu para o trabalho científico publicado.
O artigo identifica os Açores e as Ilhas Canárias como locais ideais para o estudo deste tipo de animais e refere que as 22 espécies de baleias-bicudas identificadas, três das quais descobertas apenas nas últimas duas décadas, continuam a ser “as menos conhecidas e entendidas no mundo”.
“Pelas características dos arquipélagos da Macaronésia [Açores, Madeira e Canárias], com águas muito profundas situadas muito perto da costa, animais oceânicos são observados relativamente perto das ilhas”, o que constitui “uma mais-valia para o trabalho de investigação”, refere Mônica Almeida e Silva.
O papel primordial dos Açores
No mar dos Açores já foram avistadas 28 espécies de cetáceos, algumas das quais apenas uma vez, mas, de acordo com a investigadora do IMAR, “com regularidade podem encontrar-se 17/18 espécies”, nomeadamente as baleias de barbas, azul, sardinheira, anã ou comum, entre outras.
Nos últimos dez anos, o grupo de investigação sobre cetáceos do IMAR, localizado na ilha do Faial (uma das ilhas dos Açores), tem conseguido recolher informações sobre estes animais e sobre a importância das ilhas enquanto ecossistema, utilizando tecnologia de telemetria por satélite, rádio e acústica.
“Os Açores estão situados em uma zona primordial para algumas espécies, porque existem as tais zonas profundas, perto das ilhas, e porque a região está na rota de migração de diversas espécies”, conclui a investigadora.
Ciberia // ZAP