Pouco antes das 11h da manhã de 2 de abril, funcionários de prédios altos da avenida Paulista, em São Paulo, levaram um susto. As edificações começaram a balançar, a ponto de algumas terem de ser evacuadas. Era o reflexo de um terremoto de 6,8 pontos na escala Richter no sul da Bolívia.
Por certo, muita gente lembrou da ideia muita difundida de que o Brasil é um país onde esses fenômenos não ocorrem. Essa certeza não passa de um mito, no entanto. Tremores são registrados praticamente todas as semanas no território nacional.
Segundo o sismólogo Bruno Collaço, do Centro de Sismologia da Universidade de São Paulo (USP), a grande maioria deles não é percebida pela população.
“São tremores de magnitudes baixas, menores que 3,0, registrados pelos sensores espalhados pelo país e que somente são sentidos pelas pessoas quando ocorrem próximos aos centros urbanos”, explica.
Seu colega no Centro, Marcelo Assumpção, coordenador da Rede Sismográfica Brasileira, acrescenta que não existem de fato terremotos no Brasil com a mesma frequência e força dos registrados em outros países mais ativos. “No Chile, por exemplo, ocorrem tremores de magnitude 5,0 quase toda semana”, diz.
“Já no Brasil apenas uma vez a cada 5 anos. Nosso país também pode ter sismos de magnitude 6,0 (suficientes para provocarem danos muito sérios se ocorrerem próximo a alguma cidade grande) uma vez a cada 50 anos, em média.”
Os registros históricos confirmam essas informações. Um dos primeiros brasileiros a sentir e registrar um terremoto foi ninguém menos que o imperador D. Pedro 2º, que, às 15h do dia 9 de maio de 1886, percebeu a terra tremer sob seus pés, quando se encontrava em seu palácio, em Petrópolis (RJ).
Segundo o sismólogo José Alberto Vivas Veloso, pesquisador aposentado e ex-chefe do Observatório Sismológico da Universidade de Brasília (UnB), a magnitude estimada do abalo foi de 4,3 pontos.
Ainda de acordo com Veloso, “imediatamente o monarca quis saber o que de fato tinha acontecido e determinou que se buscassem informações a respeito”. A tarefa coube ao engenheiro Guilherme Schüch (1824-1908), o barão de Capanema.
“Incentivado pelo imperador, ele coletou e analisou dados de terremotos em todo o país e publicou, em 1859, o primeiro artigo científico sobre o tema no Brasil”, conta Veloso.
O mais forte
Esse não foi, no entanto, o primeiro nem o mais forte terremoto já ocorrido no país. Embora não tenha sido registrado por um sismógrafo, mas apenas por evidências e relatos históricos, esse posto cabe a um tremor que teria ocorrido em 1690, na Amazônia.
Baseado em informações de dois jesuítas, Samuel Fritz e Felipe Betendorf, que estiveram na região em épocas diferentes, conversaram com testemunhas e observaram os seus efeitos no terreno, Veloso concluiu que o evento teve epicentro na margem esquerda do rio Amazonas, a 45 km de Manaus.
Ele concluiu que as informações dos religiosos eram verdadeiras. “Eu as combinei com conhecimentos modernos de sismologia para estimar a sua magnitude em 7,0 pontos e sua área de abrangência de 2 milhões de km²”, conta.
“Esse sismo alterou significativamente a topografia do terreno e também produziu ondas parecidas a um pequeno tsunami, que reverteram momentaneamente a corrente do rio Urubu, inundando aldeias indígenas situadas a 5 km de sua foz no Amazonas.”
Não houve danos materiais nem mortos e feridos, pois a região era praticamente desabitada.
O mais intenso terremoto registrado de fato no Brasil ocorreu no dia 31 de janeiro de 1955, na Serra do Tombador, no Mato Grosso. Com magnitude de 6,2 pontos, ele também não causou danos, porque a região igualmente era desabitada.
Cerca de um mês depois, no dia 28 de fevereiro, foi registrado o segundo maior da história do país, ocorrido no mar, ao largo de Vitória, no Espírito Santo, que atingiu 6,1 pontos. Outros sismos com intensidade superior a 5,0 pontos foram registrados, entre eles um em Tubarão (SC), no dia 28 de junho de 1939, e outro em Codajás (AM), em 5 de agosto de 1983, ambos com 5,5 pontos.
“Enxame de sismos”
O sismo mais famoso e que causou maior impacto econômico e social, no entanto, foi sem dúvida o da pequena cidade de João Câmara, no Rio Grande do Norte, com então 23 mil habitantes, registrado às 3h22 da madrugada de 30 de novembro de 1986, com magnitude 5,1 pontos.
“Na verdade, naquele dia aconteceu o maior de uma série de 50 mil abalos, aproximadamente”, explica Veloso, autor do livro O terremoto que mexeu com o Brasil, no qual relata o evento.
As consequências, diz ele, foram catastróficas. Cerca de 4.350 edificações foram destruídas ou danificadas, deixando milhares de desabrigados, inclusive de municípios vizinhos, com algumas famílias perdendo praticamente tudo o que possuíam.
Além disso, o abalo paralisou as pequenas indústrias e o comércio locais e suspendeu as aulas nas escolas da região.
Tratou-se, na verdade, do que os especialistas chamam de um enxame de sismos.
“Em pouco menos de duas horas, além do tremor principal, ocorreram quatro outros com magnitudes entre 4,0 e 4,3 pontos, intercalados por dezenas de réplicas importantes”, conta Veloso.
“O ciclo de atividades iniciado naquele dia durou sete anos, período em que foram registrados 20 eventos iguais ou maiores que 4,0, inclusive um de 5,0, no 10 de março de 1989.”
Para ele, a percepção errônea de que não ocorrem terremotos no Brasil se deve a duas causas principais. A primeira é que somente nas últimas décadas o país passou a empregar sismógrafos para registrar os tremores de terra. No passado, esses abalos só eram conhecidos se fossem percebidos pelas pessoas.
Tratando-se de um país grande, com população irregularmente distribuída, muitos eventos antigos deixaram de ser relatados, encobrindo uma parte da realidade sísmica do território nacional.
Uma cebola
A segunda é que, de fato, o Brasil tem poucos tremores comparado com países vizinhos (Argentina, Peru, Bolívia, por exemplo), porque seu território se encontra no interior de – ou sobre – uma grande placa tectônica, distante de suas bordas – onde os terremotos são mais numerosos e mais intensos.
Para entender isso é preciso saber um pouco sobre tectônica de placas. A Terra é feita de camadas, como, numa comparação grosseira, uma cebola.
A camada mais externa, com cerca de 100 km de espessura, é composta pela crosta e a parte superior do manto (uma camada de consistência pastosa, semelhante a de um asfalto quente: o magma, que pode ser visto quando expelido por vulcões). Esse conjunto – crosta mais a camada sólida superior do manto – forma a litosfera.
Hoje se sabe que a litosfera está dividida em gigantescas placas rochosas, chamadas tectônicas, que flutuam sobre o manto de magma, carregando oceanos e continentes.
Existem dez dessas grandes jangadas de pedra – Africana, Antártica, Arábica, Eurasiática, das Filipinas, Indo-Australiana, de Nazca, Norte-Americana e do Caribe, do Pacífico e Sulamericana – e várias outras menores.
São essas estruturas que modelam a superfície da Terra, erguendo montanhas e causando terremotos e tsunamis, quando se chocam.
Veloso explica que isso ocorre porque elas deslizam e têm contato entre si, ora pressionando uma contra a outra e outras vezes afastando-se de sua vizinha.
É nesses limites que ocorrem os maiores e mais frequentes tremores. No caso do Brasil, o país inteiro está assentado praticamente no centro da “jangada” Sulamericana, longe de suas bordas.
Menor frequência e intensidade
Por isso, muita gente acredita que não deveriam ocorrer terremotos no país. Mas eles ocorrem, embora com menor frequência, intensidade e poder destrutivo do que em outros países que estão sobre as regiões de contato entre duas placas.
Mas isso não alivia a situação.
Segundo pesquisador Allaoua Saadi, do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o primeiro erro é acreditar que “nossa placa” é inteiriça. “Na verdade, ela é constituída de muitos fragmentos (microplacas) cujos limites podem ser ‘mobilizados’, quando existem ‘tensões’ agindo sobre o conjunto”, explica.
Segundo Collaço, de fato, o Brasil está inserido no centro da placa da América do Sul, em um região classificada como sendo estável tectonicamente. Por isso, por aqui não são esperados terremotos devastadores como acontecem no Japão e Chile com magnitudes acima de 8,0 pontos por exemplo.
“Contudo, nosso país sofre uma compressão causada a leste pela Placa Africana e a oeste pela Placa de Nazca, e são principalmente esses esforços que acabam funcionando como gatilho para os tremores que acontecem no país.”
Ciberia // BBC