Ministra do STF concede liminar suspendendo as decisões judiciais que determinaram batidas policiais em instituições, apreensão de documentos e interrupção de debates. “Toda forma de autoritarismo é iníqua”, afirma.
A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu neste sábado (27/10) uma decisão liminar para suspender os efeitos judiciais e administrativos que determinaram o ingresso de policiais e agentes da Justiça eleitoral em universidades públicas e privadas do país.
A medida cautelar também suspendeu os efeitos de decisões que ordenaram o recolhimento de documentos nessas instituições, a coleta irregular de depoimentos e a interrupção de aulas, debates ou manifestações de estudantes e professores universitários.
Ao menos 27 instituições de Ensino Superior, segundo apurou a DW, foram alvo de ações de agentes de Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) e da Polícia Federal (PF) na última quinta-feira.
Com o objetivo de identificar e recolher supostos materiais e atividades de campanha irregular, relatos dão conta que agentes entraram sem mandado formal nas faculdades, retiraram faixas sem relação com a eleição e interromperam debates.
A medida, que fornece indícios de uma ação coordenada, foi denunciada como arbitrária por alunos e docentes e também pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que manifestou repúdio diante de decisões que “tentam censurar a liberdade de expressão de estudantes e professores”.
Segundo Cármen Lúcia, a decisão provisória deste sábado tem caráter de urgência, para evitar que ações como as deflagradas nesta semana se multipliquem. O caso ainda será analisado pelo plenário do STF, possivelmente na próxima terça-feira, segundo a assessoria da Corte.
No documento, a ex-presidente do Supremo argumenta que houve um erro de interpretação da lei por parte das decisões que autorizaram as buscas em universidades nesta semana, revelando um “subjetivismo” incompatível com a função de um juiz.
Ela afirma que “todo ato particular ou estatal que limite, fora dos princípios fundamentais constitucionalmente estabelecidos, a liberdade de ser e de manifestação da forma de pensar e viver o que se é, não vale juridicamente, devendo ser impedido, desfeito ou retirado do universo das práticas aceitas ou aceitáveis”.
A ministra destaca ainda que, num Estado democrático, o processo eleitoral fundamenta-se nos “princípios da liberdade e de manifestação do pensamento, da liberdade de informação e de ensino e aprendizagem, e da liberdade de escolhas políticas”.
“Sem liberdade de manifestação, a escolha é inexistente“, acrescenta Cármen Lúcia. “O que é para ser opção, transforma-se em simulacro de alternativa. O processo eleitoral transforma-se em enquadramento eleitoral, próprio das ditaduras.”
Segundo ela, “pensamento único é para ditadores” e “verdade absoluta é para tiranos”. “A democracia é plural em sua essência. E é esse princípio que assegura a igualdade de direitos individuais na diversidade dos indivíduos.”
A ministra conclui afirmando que “toda forma de autoritarismo é iníqua“, sendo “pior quando parte do Estado”.
“Por isso, os atos que não se compatibilizem com os princípios democráticos e não garantam, antes restrinjam o direito de livremente expressar pensamentos e divulgar ideias são insubsistentes juridicamente por conterem vício de inconstitucionalidade.”
A decisão foi tomada após um pedido apresentado na sexta-feira pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Na ação enviada ao Supremo, ela pede que seja restabelecida “a liberdade de expressão e de reunião de estudantes e de professores no ambiente das universidades”.
“Há indícios claros de que houve ofensa à liberdade de expressão, à liberdade de reunião e à liberdade de cátedra, que garantem autonomia universitária”, destacou Dodge, que também é procuradora-geral eleitoral.