Desde 2018, as mulheres sauditas têm autorização para dirigir no país e esse avanço abriu novas possibilidades profissionais. Além disso, em 2017, o governo decidiu facilitar a criação de empresas individuais para diversificar a economia saudita. Os food trucks, que começam a aparecer nas ruas das grandes cidades, são um bom exemplo.
Na cidade de Jeddah, no oeste da Arábia Saudita, os food trucks surgiram há dois anos e já fazem parte da paisagem urbana. Para estimular a atividade, o governo decidiu facilitar a burocracia e acelerar a concessão de licenças, que custam, por ano cerca de € 200.
A correspondente da RFI, Angélique Ferat, encontrou-se com Rabah, Rana e Felwa, três irmãs que estão no comando da marca “A Receita Secreta.” Entre os pratos servidos estão sopas, salada e outros pratos caseiros típicos, que ganharam uma versão fast food. A empresa, ou melhor, o caminhão, abriu as portas em setembro. O food truck foi comprado pelo marido de uma delas. As três trabalham todas as noites, de terça-feira ao sábado.
De dia, Felwa é estudante de Direito. No caminhão, é ela que comanda a cozinha. “Todo mundo me diz que eu cozinho bem: os vizinhos, minha família. Minha irmã mais velha teve então a ideia de comprar o food truck. Minhas duas irmãs não tinham mais trabalho”, diz.
Uma delas é viúva e tem dois filhos para criar. A outra precisa de dinheiro para conseguir pagar as contas no fim do mês. “Nunca poderíamos sonhar com algo parecido, mas nossa irmã nos incentivou. No fim, estamos todas felizes”, conta Rana.
Pequena Revolução
As três irmãs não são as primeiras a se lançarem na gestão de um food truck. Trata-se de uma pequena revolução no reino saudita, que teve início em 2019. Tradicionalmente, as mulheres do país não têm seu espaço na vida pública. Profissões da área da Hotelaria/Restauração são geralmente ocupadas por egípcios, iemenitas ou asiáticos.
Uma das pioneiras na atividade em Jeddah foi a saudita Salam Walid, 52 anos. A cidade é mais tolerante do que outros municípios do país em relação ao trabalho feminino. Salam lembra bem da reação dos clientes quando abriu seu food truck. “Os clientes sempre estavam surpresos, nunca violentos, mas não acreditavam que eu era saudita. Para eles, era inaceitável que eu tivesse aceitado trabalhar na rua”, conta.
A empresária conseguiu obter seu divórcio – a legislação do país analisa caso a caso- e tem duas filhas. “A situação econômica não é mais a mesma”, explica. Sem apoio do Estado, da família ou do marido, para ela o trabalho é uma necessidade.
Todos os dias, ela abre seu food truck das 19h às 3h da madrugada. “Nunca tive problema, nunca fui assediada”, afirma. O governo saudita penalizou o assédio sexual em maio de 2018 – a pena prevista é de cinco anos de prisão e as multas podem chegar a € 70.000 (cerca de R$ 320 mil).
Como muitas mulheres, Salam considera que essa lei mudou a vida das mulheres do país. “Temos o apoio da população, para mim, os sauditas têm orgulho do que fazemos.”
Para todas as mulheres que investem na atividade, o food truck é uma porta de entrada no mundo do trabalho. Salam assegura que, em breve, ela terá dinheiro suficiente para abrir seu próprio restaurante.
De acordo com um estudo divulgado pelo governo do país, um terço das mulheres que procuram um trabalho na Arábia Saudita não encontram emprego – elas representam apenas 20% dos ativos.
// RFI