Em 1928, o magnata americano Henry Ford ia além do posto de um dos homens mais ricos do mundo. Aos 65 anos de idade, era um ícone da era industrial, cujo nome evocava uma revolução tecnológica como a que fariam muito mais tarde personagens como Steve Jobs.
Vinte e cinco anos antes, o empresário havia fundado a Ford Motor Company, que se transformaria em uma das maiores e mais rentáveis companhias do planeta.
Pioneira no desenvolvimento de técnicas produção em massa, a empresa havia criado o primeiro automóvel ao alcance da classe média – iniciando um fenômeno que teria um profundo impacto no futuro.
Após todos esses êxitos, Ford estava pronto para abraçar seu novo projeto faraônico, plasmando seu nome no coração da selva amazônica: a fundação de uma cidade ao estilo americano no Pará.
Declínio da borracha
Nessa época, o longo reinado da região amazônica brasileira no comércio mundial de borracha já havia terminado. Entre 1879 e 1912, o látex extraído das seringueiras paraenses era o de melhor qualidade no mundo e abastecia indústrias insaciáveis na Europa e América do Norte.
As árvores cresciam de forma selvagem na bacia do Amazonas.
Mas em 1876, o explorador britânico Henry Wickham conseguiu contrabandear cerca de 70 mil sementes da preciosa árvore – um dos maiores casos de biopirataria da história -, com as quais foi possível criar nas colônias britânicas o que a natureza da selva amazônica não tinha permitido: plantações de seringueiras.
O comércio mundial da borracha passava assim às mãos do império britânico. A Amazônia, que chegara a produzir 95% da borracha mundial, em 1928 atendia a apenas 2,3% da demanda global.
Assim, a notícia de que Henry Ford tentaria reativar a combalida economia amazônica com seu ambicioso projeto foi bem recebida.
A visão do magnata
Para Ford, a motivação principal por trás do projeto era garantir sua própria fonte de borracha, necessária para a fabricação de pneus e peças automotivas, como válvulas, mangueiras e juntas.
Na década de 1920, a Ford Motor Company controlava praticamente todas as matérias-primas utilizadas para fabricar automóveis, desde o vidro até a madeira e o ferro. Mas a borracha era controlada pelos europeus, que a produziam em suas colônias e fixavam o seu preço.
Ford era mais que um homem de negócios; era também famoso por suas ideias. Seu conceito do que hoje é conhecido como “fordismo” combinava técnicas de produção em massa com altos salários para os trabalhadores das fábricas.
Para o empresário, as empresas deveriam, para o seu próprio benefício, garantir que seus empregados fossem capazes de consumir os produtos que produziam. Os salários mais altos poderiam até reduzir os lucros temporariamente, mas no longo prazo as empresas ganhavam e a economia se tornava mais sustentável.
Em 1914, por exemplo, os trabalhadores da Ford ganharam um salário diário de US$ 5 – equivalente a US$ 126 nos dias de hoje e o dobro do salário mínimo de então.
Ford apostava que os valores que sustentavam sua companhia seriam um sucesso em qualquer outro lugar do planeta.
Foi com esse espírito que há 90 anos dois navios carregados de equipamentos e mobiliário navegaram o rio Tapajós, única via de acesso para chegar aos 110 mil quilômetros onde em pouco tempo seria erguida a Fordlândia.
Plantando ideais
O plano para a Fordlândia era detalhado e remetia à infância de Ford em uma granja no Meio-Oeste americano.
Aos poucos foram se abrindo caminhos de concreto iluminados por lâmpadas e erguendo-se casas pré-fabricadas em Michigan, organizadas em um bairro chamado Villa Americana para os americanos. Estes também contavam com água corrente.
Havia também uma piscina comunitária, hospitais, escolas, lojas, restaurantes e até um salão de entretenimento, no qual se organizavam bailes e eram projetados filmes de Hollywood. Havia também geradores, serraria, uma torre de água e, claro, uma fábrica de borracha.
“Valores americanos”
Mas as aspirações da Fordlândia iam além. Desencantado com a sociedade grosseira que havia emergido do capitalismo industrial que ele mesmo havia ajudado a criar, Ford sonhava em construir um lugar de acordo com o que considerava “valores americanos“.
Isso compreendia certos hábitos que incluíam uma dieta rigorosa, a proibição de bebidas alcoólicas e uma jornada de trabalho das 9h às 17h – apesar do ritmo diferenciado exigido pelo calor amazônico.
Como passatempos, incentivava-se a jardinagem, o golfe e – para quem quisesse dançar – quadrilhas de country americano. Esse transplante cultural causou vários problemas ao longo dos 17 anos que a Fordlândia pertenceu a Henry Ford.
Aventura épica, fracasso épico
A batalha foi difícil em várias frentes. Houve frequentes revoltas de trabalhadores, incluindo uma em dezembro de 1930, na qual o pessoal da direção teve que fugir de barco e apelar ao próprietário da linha aérea PanAM para que levasse, em um de seus aviões, militares brasileiros para a área.
Os administradores americanos, por sua vez, também não foram ideais: seu pouco conhecimento sobre tudo os que rodeava – particularmente sobre a agricultura local – os levaram a cometer erros sérios.
Nos dois primeiros anos, a cidade teve vários gerentes. Alguns não conseguiram se adaptar às condições da Amazônia e sofreram crises nervosas. Um se afogou no rio durante uma tempestade e outro foi embora depois que três de seus filhos morreram de doenças tropicais.
A selva também fez vítimas entre os trabalhadores brasileiros. E as plantações tiveram o mesmo destino daquelas que muitos outros haviam tentado começar naquelas terras.
O clima que fazia florescer as árvores também favorecia pragas e doenças que haviam avançado com as plantas durante milênios. O plantio em campos de monocultura os tornava mais suscetíveis à infestação.
Embora a produção tenha sido melhor em outra plantação chamada belterra, o maior uso do território de Ford no Brasil foi abrigar militares dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1945, os americanos finalmente fizeram as malas e foram para casa, deixando fantasmas para trás.
Embora nunca tenha posto os pés na Fordlândia, Ford investiu quase duas décadas e uma fortuna em seu sonho amazônico. Ele queria domar o capitalismo industrial e a Amazônia, mas superestimou sua força.
Ciberia // BBC