A Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para que Jair Bolsonaro não entregue os resultados dos seus exames para a detecção de coronavírus. O presidente afirma que nunca teve a doença, mas vem se recusando a mostrar os resultados laboratoriais.
Na semana passada, atendendo a uma ação do jornal O Estado de S.Paulo, a Justiça Federal de São Paulo determinou que Bolsonaro apresentasse o resultado dos testes. Em vez dos exames, o governo entregou apenas um relatório médico da coordenação de saúde da Presidência, que apontava que Bolsonaro não teve a doença.
O documento foi considerado insuficiente pela Justiça e na quarta-feira a ordem de entrega dos exames foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
“A sociedade tem que se certificar que o presidente está ou não acometido da doença”, determinou o desembargador André Nabarrete, do TRF-3.
O governo vem tentando contestar a ordem argumentando que ela viola a privacidade de Bolsonaro. A decisão de recorrer ao STJ deve ser bem-sucedida. O pedido foi apresentado depois de o presidente da Corte, João Otávio de Noronha, ter afirmado, em entrevista ao site Jota, que considera que não é “republicano” exigir a divulgação dos exames do presidente.
“Não é porque o cidadão se elege presidente ou ministro que não tem direito a um mínimo de privacidade. A gente não perde a qualidade de ser humano por exercer um cargo de relevância na República. Outra coisa, já perdeu até a atualidade, se olhar, não sei como está lá, o que adianta saber se o presidente teve ou não coronavírus se foi lá atrás os exames?”, disse o ministro.
O interesse pelos resultados dos exames de Bolsonaro foi despertado na primeira quinzena de março, quando duas dezenas de membros do governo contraíram a doença após o presidente e ministros voltarem de uma viagem aos EUA. Mesmo com a contaminação avançando entre seu círculo, Bolsonaro se juntou a aglomerações, como protestos inconstitucionais em Brasília, abraçando e cumprimentando apoiadores.
Na época, Bolsonaro afirmou que dois exames para a detecção tiveram resultado negativo, mas nunca mostrou os documentos. Nas semanas seguintes, Bolsonaro continuou a minimizar a doença e chegou a afirmar que se a contraísse, ela não seria mais que uma “gripezinha” por causa do seu “histórico de atleta”.
Ele também demonstrou irritação com a cobrança. “Vocês nunca me viram aqui rastejando, com coriza… eu não tive, pô (novo coronavírus). E não minto. E não minto“, afirmou no dia 28 de abril.
No entanto, Bolsonaro também mandou sinais contraditórios. Em 20 de março, chegou a especular que tenha sido contaminado “lá atrás” e não “ficou sabendo”. No dia 30 de abril, afirmou que “talvez” tenha sido contaminado no passado. “Eu talvez já tenha pegado esse vírus no passado, talvez, talvez, e nem senti.”
Vídeo da discórdia
Os exames de Bolsonaro não são a única questão que vem colocando o governo na defensiva. Nesta sexta-feira, expira o prazo determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para que o governo entregue as gravações de um vídeo de uma reunião ministerial ocorrida no dia 22 de abril. O encontro foi citado pelo ex-ministro Sergio Moro como uma evidência de que Bolsonaro interferiu politicamente na Polícia Federal.
Na quinta-feira, a AGU encaminhou um pedido ao STF para entregar apenas parte das gravações da reunião. Foi o segundo pedido de reconsideração da AGU ao Supremo após o ministro Celso de Mello determinar que o Planalto tem 72 horas para entregar as gravações. Na quarta-feira, o órgão já havia pedido para que o ministro revertesse a decisão, alegando que na reunião foram tratados “assuntos potencialmente sensíveis e reservados de Estado”.
Diante da postura do governo, a defesa de Moro também acionou o STF e solicitou que Mello mantenha a ordem de entrega da íntegra das gravações. Os advogados do ex-ministro argumentaram que mesmo que a reunião eventualmente tenha tratado de “assuntos de relevância nacional” não se pode impedir que a Justiça analise a íntegra da gravação.
Moro afirmou em depoimento que o vídeo mostra que o presidente ameaçou demiti-lo caso ele não concordasse com a substituição da chefia da PF. Bolsonaro efetivamente acabou trocando o comando, o que provocou a saída de Moro do governo.
Segundo o jornal Folha de S.Paulo, a reunião também foi palco de outras cenas que podem provocar constrangimentos para o governo. De acordo com a publicação, os participantes, incluindo Bolsonaro citaram a China, maior parceiro comercial do Brasil, “em termos pouco elogiosos”. O encontro também teria marcado por uso pródigo de palavrões e um ataque do ministro da Educação, Abraham Weintraub, ao STF. De acordo com o jornal , Weintraub afirmou que a corte era composta por “11 filhos da puta”. Um dos ministros da Corte é justamente o destinatário do vídeo.