Vietnã: massacre de My Lai completa 50 anos

Ronald Haeberle / Wikimedia

Corpos não identificados junto de casa ardendo, My Lai, Vietnã, 16 de Março de 1968

O Vietnã lembrou na sexta-feira os 50 anos do massacre de My Lai, o sangrento episódio no qual soldados dos Estados Unidos assassinaram 504 civis – 173 deles crianças – e que, para os sobreviventes, se repete diariamente em forma de pesadelos e de memórias traumáticas.

O local do massacre é hoje um museu do horror, dirigido até setembro do ano passado por Pham Thann Cong, que, com 11 anos, sobreviveu ao massacre escondido embaixo dos corpos da mãe e de seus irmãos no trágico dia 16 de março de 1968.

Depois daquilo, tive pesadelos por vários dias“, recordou Cong no primeiro andar do museu de San My. A região foi chamada de My Lai pelos estrategistas militares americanos que atuaram na guerra.

Acostumado a receber a mídia de todo o mundo, Cong narra com facilidade como um grupo de soldados dos EUA ateou fogo em sua casa e jogou uma granada no refúgio subterrâneo onde ele se escondeu acompanhado da mãe, da irmã mais velha e de outros três irmãos.

Minha mãe gritou ‘granada’ e eu ouvi a explosão. Nosso refúgio desabou e o silêncio tomou conta. Eu só conseguia ouvir minha respiração e sentia em cima de mim os corpos da minha mãe e dos meus irmãos. Estavam mortos”, contou o sobrevivente à Agência Efe.

Cong sobreviveu permanecendo no esconderijo até não mais ouvir os barulhos do confronto e os gritos das mulheres estupradas e assassinadas pelos americanos. Seu pai, a salvo na selva como quase todos os homens da aldeia, retornou para buscá-lo.

“Sempre que venho ao museu ou falo sobre aquilo volto a ver as imagens, a me ver enterrado embaixo da minha família morta, os corpos empilhados quando saí, o sangue que cobria tudo. Quase nunca vou ao andar de cima (do museu), onde estão as fotos e as placas com os nomes das vítimas da tragédia”, afirmou.

Os dados recitados por Cong como um mantra seguem sendo apavorantes: 504 mortos no total, entre os quais 182 eram mulheres, 17 delas grávidas, 173 crianças e 60 idosos.

Participaram da cerimônia pelo 50º aniversário do massacre no museu, além de autoridades de vários países, uma delegação de veteranos, algo que não é novo para Cong. Ele, no entanto, recebe todos os ex-combatentes dos EUA com a mesma mensagem. “Posso perdoar, mas não esquecer“, disse.

O tom conciliador, no entanto, desaparece quando Pham Thann Cong ouve o nome do tenente William Calley, o homem que ordenou o massacre e que foi o único condenado a prisão perpétua por isso. No dia seguinte, porém, o militar recebeu um indulto, permanecendo detido em casa. Três anos e meio depois, um tribunal o libertou.

“Há alguns anos, ele pediu perdão em público, mas isso não é suficiente. Por que ele não vem ao Vietnã para ver tudo o que causou? Por que não vem ver como nos levantamos todos os dias, apesar de tudo?”, questionou o sobrevivente do massacre.

Por sua vez, Vo Cao Loi, que tinha 15 anos quando perdeu a mãe e vários primos pequenos no ataque, transborda alegria. “Tive que aceitar a realidade. Pelo menos sobrevivi”, ressaltou Loi em uma cafeteria em Danang, 150 quilômetros ao norte da aldeia na qual cresceu e sobreviveu ao massacre americano.

“Naquela amanhã, como de costume, tínhamos saído. Vi um helicóptero passar e pensei que estava fazendo um reconhecimento da região. Mas, depois, outros chegaram. Minha mãe me mandou esconder em um refúgio afastado da aldeia porque eu era um menino de 15 anos. Poderiam me matar”, contou o sobrevivente.

Do esconderijo, ele e o tio ouviram durante horas os disparos, as explosões, os gritos de misericórdia e os choros, sem poder movimentar um músculo sequer para ajudar os vizinhos e familiares.

O sorriso de Loi deixa o rosto do sobrevivente enquanto ele narra as partes mais sombrias de sua experiência traumática, mas volta quando ele retorna à atualidade. No entanto, ele sabe que o peso daquelas lembranças o acompanhará para sempre.

“Tenho pesadelos às vezes, sonho com helicópteros que vêm me buscar. Outra coisa ocorreu: desde aquele dia, deixei de cantar. Gostava muito de cantar, cantava todos os dias. Desde então, nunca mais consegui”, lamentou.

// EFE

COMPARTILHAR

DEIXE UM COMENTÁRIO:

Como brasileiros driblam a alta dos preços dos alimentos

Inflação mudou os itens nos carrinhos de supermercado e chegou a afetar a popularidade de Lula. Famílias de diferentes bairros de São Paulo contam sobre sua forma de lidar com a situação. "Driblar os preços." É …

Como Alzheimer deixou ator Gene Hackman sozinho em seus últimos dias: 'Era como se vivesse em um filme que se repetia'

O ator Gene Hackman estava sozinho em sua casa, na cidade de Santa Fé, Novo México, nos EUA, quando faleceu. A estrela de Hollywood, com duas estatuetas do Oscar, não fez uma única ligação e não …

Fenômeno misterioso no centro de galáxia pode revelar nova matéria escura

Pesquisadores do King's College London apontaram, em um novo estudo, que um fenômeno misterioso no centro da nossa galáxia pode ser o resultado de um tipo diferente de matéria escura. A matéria escura é um dos …

ONU caminha para 80 anos focando em reformas e modernização

O líder das Nações Unidas, António Guterres, anunciou o lançamento da iniciativa ONU 80 que quer atualizar a organização para o século 21. Na manhã desta quarta-feira, ele falou a jornalistas na sede da ONU que …

Premiê português cai após denúncia de conflito de interesses

Luís Montenegro perdeu voto de confiança no Parlamento, abrindo caminho para novas eleições. Denúncia envolve pagamentos de uma operadora de cassinos a empresa de consultoria fundada por político. O primeiro-ministro de Portugal, Luís Montenegro, e sua …

Como a poluição do ar em casa afeta a saúde e piora doenças respiratórias

Um levantamento feito em 2024 pela associação Santé Respiratoire France, a pedido da empresa francesa Murprotec, uma das maiores do setor, mostrou que a poluição em ambientes fechados é até nove vezes maior do …

1ª mulher presidente no STM: “Se chegarem denúncias sobre o 8 de janeiro, vamos julgá-las”

Em entrevista à Agência Pública, Maria Elizabeth Rocha, fala de golpe, Justiça Militar e extremismo nas Forças Armadas. O caminho da ministra do Superior Tribunal Militar (STM) Maria Elizabeth Rocha até a presidência da Corte, no …

Fim do Skype: veja 7 apps para fazer chamadas de vídeo

A Microsoft anunciou que o Skype será desativado em 5 de maio de 2025, depois de mais de 20 anos de serviço. Depois do encerramento da plataforma, os usuários poderão migrar para o Microsoft Teams …

O que aconteceu nos países que não fizeram lockdown na pandemia de covid

Em março de 2020, bilhões de pessoas olhavam pelas janelas para um mundo que não reconheciam mais. De repente, confinadas em suas casas, suas vidas haviam se reduzido abruptamente a quatro paredes e telas de …

Iniciativa oferece 3,1 mil bolsas para mulheres em programação e dados

Confederações de bancários e Febraban anunciaram vagas em três cursos. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e as confederações de bancários – como a Contraf e o Contec – anunciaram nesta terça-feira (11) a oferta …