Uma equipe internacional de pesquisadores parece ter finalmente resolvido o “problema dos bárions desaparecidos”.
Bárion é uma classificação genérica para um tipo partículas que engloba prótons e nêutrons. Estas partículas, por sua vez, são os blocos de construção de toda a matéria comum no universo – de estrelas a planetas a seres vivos e tudo que conhecemos. Tudo na tabela periódica e praticamente tudo o que você considera “matéria” é feito de bárions.
No final dos anos 1990, cosmólogos calcularam quanto dessa matéria deveria existir no universo, concluindo que cerca de 5% deveria ser composto de bárions, enquanto o resto era uma mistura de matéria e energia escuras.
Acontece que, quando os cientistas decidiram contar quanta matéria regular podíamos ver ou medir no universo (o que foi determinado através de um censo de estrelas, galáxias e o gás dentro e ao redor delas), não encontraram tudo. Na verdade, metade dessa matéria prevista (ou seja, metade desses 5%) parecia estar faltando.
Será que a matemática estava errada, ou será que a matéria estava escondida em algum lugar do cosmos? Graças a novas tecnologias e à descoberta de um fenômeno celestial, os cientistas finalmente têm uma resposta.
Ao longo dos últimos 20 anos, muitos cosmólogos e astrônomos tentaram encontrar a tal “matéria desaparecida”, com alguns alarmes falsos e tentativas de detecção através de gás quente entre as galáxias.
Nada disso parecia definitivo para cientistas como Xavier Prochaska, da Universidade da Califórnia em Santa Cruz e do Observatório Lick (EUA), e Jean-Pierre MacQuart, do Centro Internacional de Pesquisa em Radioastronomia e da Universidade Curtin em Perth (Austrália).
Em 2007, pesquisadores da Universidade da Virgínia Ocidental (EUA) descobriram um fenômeno chamado de “rajadas rápidas de rádio” (FRBs, na sigla original em inglês), que são emissões de rádio extremamente breves e energéticos vindas aparentemente de galáxias distantes.
Prochaska e MacQuart viram nas FRBs uma oportunidade: quando ondas de rádio passam pela matéria, são um pouco “abrandadas”, como um carro que é desacelerado pela resistência do vento.
Se uma FRB viaja milhões ou bilhões de anos-luz para chegar à Terra, esse efeito – chamado de dispersão – provavelmente diminui tanto os comprimentos de onda mais longos que eles chegam quase um segundo depois dos mais curtos aqui.
E é aí que está o potencial das FRBs para medir os bárions do universo: ao medir a propagação de diferentes comprimentos de onda dentro de uma dessas rajadas, os pesquisadores podem calcular exatamente por quanta matéria – ou bárions – as ondas de rádio passaram no caminho para a Terra.
Só que, para medir com precisão esses bárions, os cientistas precisavam saber exatamente de onde as FRBs vinham, e ainda não havia tecnologia boa o suficiente para detectar a fonte dessas rajadas em 2007.
Isso só aconteceu em agosto de 2018, com o advento de um projeto colaborativo denominado CRAFT, que funcionou a partir do radiotelescópio Australian Square Kilometre Array Pathfinder (ASKAP). A primeira FRB detectada veio de uma galáxia chamada DES J214425.25-405400.81, a cerca de 4 bilhões de anos-luz de distância de nós.
Em julho de 2019, os pesquisadores já haviam identificado a fonte de seis FRBs, o suficiente para fazer medidas de dispersão e um cálculo aproximado da quantidade de matéria que as ondas de rádio passaram antes de atingir a Terra.
Espantados e ao mesmo tempo maravilhados, os pesquisadores concluíram que o resultado de seus cálculos caía na mesma curva estimada de 5% de matéria no universo.
Ou seja, todos os bárions previstos haviam sido detectados e a busca pela matéria desaparecida estava finalmente terminada. Já era possível medi-la em sua totalidade no universo. Mas onde exatamente ficam esses bárions?
Com apenas seis FRBs, os pesquisadores não podem construir um mapa compreensivo o suficiente desses bárions.
Lá atrás, astrônomos haviam teorizado que a maioria da matéria desaparecida estava escondida em um plasma quente de baixa densidade que permeia o universo, nomeado de “meio intergaláctico quente” ou WHIM (do original em inglês “warm-hot intergalactic medium”).
O novo estudo fornece pistas de que o WHIM provavelmente existe, mas não indica como ele é distribuído no universo. Os cientistas estimam que ele seja parte de uma rede de filamentos gasosos que conecta galáxias chamada de “teia cósmica”. De acordo com Prochaska e MacQuart, a partir da medição de 100 FRBs, podemos começar a desenhar esse mapa intergaláctico.
Um artigo sobre a pesquisa foi publicado na revista científica Nature.
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