Para quem trabalha em navios cargueiros, talvez seja menos perigoso transportar resíduos tóxicos ou explosivos do que cargas granuladas, como minério triturado.
Isso porque tais cargas são responsáveis pela perda de numerosos navios todos os anos. Em média, dez transportadores de “carga sólida a granel” afundaram no mar a cada ano durante a última década.
Segundo Susan Gourvenec, professora de engenharia geotécnica da Universidade de Southampton (Reino Unido), cargas sólidas a granel – definidas como materiais granulares carregados diretamente no porão de um navio – podem repentinamente passar de um estado sólido para um estado líquido, um processo conhecido como liquefação.
Em 2015, o graneleiro Bulk Jupiter, um navio de 56 mil toneladas, afundou rapidamente a cerca de 300 km a sudoeste do Vietnã, com apenas um dos 19 membros de sua tripulação sobrevivendo.
Isso provocou advertências da Organização Marítima Internacional sobre a possível liquefação da bauxita, uma mistura natural de óxidos de alumínio e uma carga sólida relativamente nova.
Mais recentemente, em março de 2017, o gigantesco navio de carga Stellar Daisy também afundou subitamente enquanto transportava 260 mil toneladas de minério de ferro do Brasil para a China.
Dos 24 tripulantes, 22 estão desaparecidos. Uma das hipóteses apontadas para a possível causa do naufrágio é a liquefação do minério transportado, resultante de umidade excessiva.
Como ocorre a liquefação?
As cargas sólidas a granel são tipicamente materiais “bifásicos”, pois contêm água entre as partículas sólidas. Quando as partículas podem se tocar, o atrito entre elas faz o material agir como sólido (mesmo que haja líquido presente).
Quando a pressão da água sobe, as forças entre partículas reduzem e a resistência do material diminui. Quando a fricção é reduzida a zero, o material age como um líquido (mesmo que partículas sólidas ainda estejam presentes).
Uma carga sólida a granel aparentemente estável no cais pode se liquefazer se as pressões na água entre as partículas se acumularem enquanto elas são carregadas no navio.
Isto é especialmente provável se a carga for colocada no porão do navio com uma correia transportadora, o que é uma prática comum que pode envolver uma queda de altura significativa. A vibração e o movimento do navio e do mar durante a viagem também podem aumentar a pressão da água e levar à liquefação da carga.
Quando uma carga sólida a granel se liquefaz, ela pode se deslocar ou escorregar dentro do porão de um navio, tornando a embarcação menos estável. Uma carga liquefeita pode mudar completamente para um dos lados do navio, por exemplo.
Se recuperar sua força e voltar a um estado sólido, permanecerá na posição deslocada, fazendo com que a embarcação incline. A carga pode então liquefazer novamente e mudar ainda mais, aumentando esse ângulo inclinado.
Em algum momento, a água pode entrar no casco do navio ou a embarcação se tornar instável demais para recuperar seu movimento nas ondas do mar. A água também pode mover-se para fora da carga, e esse derramamento pode impactar ainda mais a estabilidade da embarcação. Tudo isso aumenta o risco de o navio afundar.
O problema
Muito se sabe sobre a física da liquefação de materiais granulares. No entanto, apesar da nossa compreensão deste fenômeno e das diretrizes em vigor para evitar que aconteça – a Organização Marítima Internacional tem códigos que regem a quantidade de umidade permitida em granéis sólidos -, navios continuam afundando.
Por que isso ainda acontece? A resposta técnica, de acordo com Susan Gourvenec, é que as orientações existentes sobre armazenamento e transporte de cargas sólidas a granel são simplistas demais.
O potencial de liquefação depende não apenas da quantidade de umidade presente em uma carga a granel, mas também de outras características do material, como a distribuição do tamanho das partículas, a relação entre o volume de partículas sólidas e a densidade relativa da carga, bem como o método de carregamento e os movimentos do navio durante a viagem.
Motivos comerciais também desempenham um papel. Por exemplo, a pressão para carregar as embarcações rapidamente leva a um serviço mais vigoroso que pode aumentar a pressão da água nas cargas. Além disso, a “necessidade” de entregar a mesma tonelagem de material que foi carregado pode desencorajar a tripulação do navio a drenar cargas durante a viagem.
Para resolver esses problemas, a indústria naval precisa entender melhor o comportamento material das cargas sólidas a granel que estão sendo transportadas e criar testes apropriados para evitar liquefação.
De acordo com Gourvenec, novas tecnologias poderiam ajudar, como sensores no porão de um navio que monitorem a pressão da água na carga. Ou a superfície da carga poderia ser monitorada com lasers, para identificar quaisquer alterações em sua posição.
O desafio é desenvolver uma tecnologia rápida de instalar, barata e robusta o suficiente para sobreviver ao carregamento e descarregamento da carga.
O ideal seria combinar dados sobre a pressão da água e o movimento da carga com dados sobre o clima e os movimentos do navio para produzir um alerta em tempo real sobre se a carga está prestes a se liquefazer ou não.
Com a informação em mãos, a tripulação poderia então agir para evitar, por exemplo, que a pressão da água subisse muito ao drená-la dos porões de carga, ou poderia mudar o curso da embarcação para evitar clima ruim a fim de reduzir os movimentos do navio. Se nada disso fosse possível, ao menos a tripulação teria uma chance de evacuar o navio.
Desta forma, poderíamos superar o fenômeno de liquefação e garantir que menos navios e tripulações fossem perdidos no mar.
Ciberia // HypeScience / ZAP / Ars Technica
Por que não é citada a divisão parcial dos porões de carga em compartimentos, como nos veículos-tanque? É certo que são custos adicionais de construção, mas chapas retas soldadas são baratas e não irão pesar tanto na capacidade de carga útil, já que não necessitam utilizar toda a área em planta dos porões de carga. Basta “recorta-los” convenientemente com as chapas separadoras.