O Brasil registra uma média de quatro mortes por dia de mulheres que buscam socorro nos hospitais por complicações do aborto. Até setembro, foram 1.215 casos.
Os registros de 2015 têm padrão semelhante: de janeiro a dezembro, houve 1.664 relatos de mulheres que morreram depois de dar entrada em hospitais por complicações relacionadas à interrupção da gravidez.
Os números do Ministério da Saúde obtidos pelo Estado apontam que o impacto da proibição do aborto para saúde das brasileiras vai muito além do que está no Sistema de Notificação de Mortalidade (SIM).
O banco de dados, usado como fonte oficial, indica 54 mortes comprovadas de mulheres em decorrência da interrupção da gravidez em 2014 – último ano com estatísticas divulgadas.
Pelas informações do SIM, o aborto teria sido responsável por 3,3% das mortes ligadas ao período da gravidez ou ao parto. Bem menos do que hipertensão, hemorragias ou infecções.
Os dados obtidos consideram mortes de pacientes nos hospitais com complicações do aborto. Mas o ministério alerta não ser possível afirmar que todos os óbitos podem ser atribuídos ao procedimento provocado, feito na maioria das vezes de forma clandestina.
Técnicos justificam que as mortes poderiam ter sido causadas, por exemplo, por outros problemas que não tinham relação com a interrupção da gravidez. Ou até mesmo que o aborto tenha sido resultado de problema de saúde apresentado pela paciente.
“A morte por aborto é sempre subestimada em países que proíbem a prática. Seja pela clandestinidade do ato, seja por falhas apresentadas no registro”, afirmou o médico Cristião Rosa, integrante da associação Grupo Médico pelo Direito de Decidir (Global Doctors for Choice).
Há ainda os números envolvendo apenas as internações por complicações de aborto. Entre 2010 e 2014, os registros se aproximavam de uma média de 200 mil por ano. Os números preliminares de 2016 chegam a 123.312.
Pelas até então estatísticas oficiais, haveria uma morte de mulher por aborto a cada dois dias. Bem menos do que os números obtidos pelo Estado. “Um caso a cada dois dias já é uma matança. Uma tragédia que poderia ser perfeitamente evitável”, diz Rosa.
Ele afirma que a interrupção da gravidez quando feita com a assistência adequada é um procedimento seguro. Em casos raríssimos leva à morte. “As taxas de morte são menores, por exemplo, do que as do parto normal.”
O médico afirma ocorrer 0,5 morte a cada 100 mil abortos legais e seguros. O indicador chega a quase zero quando a interrupção é feita até a 10.ª semana de gravidez. Conforme dados obtidos pela reportagem, foram autorizados 768 abortos no País de janeiro a junho deste ano – no mesmo período do ano passado, houve 738.
Para o médico, esse dado, por si só, já seria razão suficiente para mudar as regras brasileiras e liberar a interrupção da gravidez no País. “Quantas vidas poderiam ter sido poupadas?”, questiona. “Porque uma coisa é certa: criminalizar o aborto não diminui a prática. Aborto existe desde que a humanidade existe. E vai continuar existindo.”
Rosa avalia que, além de não resolver o problema dos altos índices de aborto, a criminalização traz outro problema.”Você joga a mulher na clandestinidade. Nessa situação, ela se coloca em risco reprodutivo e de vida.”
Grupos contrários à mudança dizem temer que, com a liberação, as estatísticas de aborto aumentem de forma expressiva. Rosa reconhece haver um aumento, normalmente nos primeiros anos seguintes à mudança da regra.
Mas ele atribui o fenômeno à melhor informação, não a um aumento real. “As estatísticas aumentam porque o procedimento sai da clandestinidade e mais casos chegam aos serviços de saúde.
“Com a liberação, os países, a sociedade, os sistemas de saúde adquirem outro nível de responsabilidade com a saúde reprodutiva As estratégias para lidar com a gravidez indesejada são intensificadas”, avalia.
Ações de governo
É justamente nessas estratégias que o governo deveria intensificar suas ações, diz ele. A primeira delas, é ampliar o acesso à educação sexual. O segundo ponto essencial, completa, é garantir métodos contraceptivos de longa duração, como DIU e implantes hormonais.
“A pílula anticoncepcional tradicional em muitos casos não resolve, principalmente com adolescentes. Falta no posto de distribuição, a unidade de saúde fecha no fim de semana, ela esquece de tomar…”
No Brasil, implantes hormonais não são distribuídos no Sistema Único de Saúde. “Há uma discussão eterna, mas o tema não segue adiante. Sofrem com isso sobretudo as jovens.” Uma das estratégias elogiadas é a ampliação da oferta de métodos de contracepção de emergência: a pílula do dia seguinte.
“O recurso é essencial. Ele evita abortos clandestinos.”
// Fala RN