No “limite da barbárie”, diz Le Monde sobre evolução da pandemia no Brasil

Tânia Rêgo / Agência Brasil

O jornal francês Le Monde destaca em sua edição de sábado (25) que a pandemia se agrava no Brasil, onde o número de mortes atribuídas à Covid-19 aumenta, enquanto o presidente Jair Bolsonaro continua negando sua gravidade.
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“Nós estamos no limite da barbárie”, diz o título do jornal, citando as palavras do prefeito de Manaus, Artur Virgílio Neto, em entrevista à imprensa após reunião com o vice-presidente Hamilton Mourão, na segunda-feira (20).

Na capital do Amazonas, o número de enterros triplicou e valas são cavadas com escavadeiras. “Nos hospitais sobrecarregados, os cadáveres são colocados em filas nos corredores, e os pacientes idosos são mandados para morrer em casa”, afirma o texto.

O Ministério da Saúde do Brasil divulgou nesta sexta-feira (24) o mais recente balanço de casos de coronavírus no país. Até o momento, foram ao menos 3.670 mortes e mais de 52 mil casos confirmados. Mas como lembra o correspondente em São Paulo, Bruno Meyerfeld, os números oficiais não são confiáveis, porque as autoridades não conseguem mais testar nem os vivos nem os mortos, e certos números da Covid-19 são informados com até 20 dias de atraso.

Segundo estimativas da imprensa brasileira, citadas no artigo, os casos de pessoas contaminadas seriam 12 a 15 vezes superiores ao número anunciado pelas autoridades. Já as vítimas mortais poderiam ter ultrapassado 15 mil, nos piores cenários.

Um cirurgião de um hospital Geral de Fortaleza, que preferiu permanecer anônimo, diz que está em “uma guerra cotidiana”, por leitos e respiradores. Segundo o médico, 100% das vagas em terapia intensiva estão ocupadas no centro de saúde.

O artigo também comenta a falta de luvas e máscaras para profissionais de saúde nos hospitais de São Paulo, que tiveram que usar capas de chuva e sacos de lixo para se proteger, diz Sérgio Antiqueira, presidente do sindicato de empregados do setor, ao Le Monde. Alguns médicos e enfermeiros receberam apenas uma máscara descartável durante um mês.

Sistema de saúde

Segundo a especialista do setor da Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro, entrevistada pelo jornal, Ligia Bahia, o Brasil não está pronto para enfrentar a epidemia. Apesar de possuir milhares de leitos em UTIs, a grande maioria está no sistema de saúde particular, indisponível para a maioria da população.

Segundo Le Monde, o resultado é que, em algumas regiões, o brasileiro deve percorrer até 155 quilômetros para conseguir os complexos tratamentos demandados pelo Covid-19.

Bahia ressalta que a pandemia mostra a falência do sistema democrático brasileiro que em trinta anos, desde o fim da ditadura, não investiu para criar um sistema de saúde público eficiente para os mais pobres, que serão as primeiras vítimas.

“Ele funciona primeiro para os ricos”, diz a especialista.

Novo cemitério

Le Monde lembra que apesar do drama vivido pelo país, o presidente Jair Bolsonaro, para quem o vírus não passa de uma “gripezinha”, defende um retorno rápido à normalidade. O novo ministro da Saúde, Nelson Teich, considerado como submisso a Bolsonaro, “não convence ninguém”, nem mesmo seus colegas de governo.

O jornal cita o Imperial College de Londres, segundo o qual, em caso de inação, a epidemia poderia fazer mais de 1 milhão de vítimas no Brasil. Apesar dos esforços dos governos estaduais para conter a contaminação, apenas metade dos brasileiros estaria seguindo as regras do confinamento e alguns estados já pensam em flexibilizá-las.

Prevendo o pior, segundo Le Monde, o estado de São Paulo ordenou em urgência que 13 mil novas valas fossem abertas e a compra de 38 mil caixões suplementares, além da construção de um novo cemitério.

Os enterros serão feitos sem público e de noite, se necessário.

// RFI

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