Governos autoritários estão em ascensão. Um estudo do instituto alemão Bertelsmann Stiftung chegou à conclusão que um bilhão de pessoas a mais vivem sob ditaduras hoje do que há quinze anos.
O instituto analisou a qualidade da democracia, a economia de mercado e a liderança em 129 países. Enquanto os pesquisadores concluíram que o número de pessoas que vivem em democracias subiu de 4 bilhões para 4,2 bilhões entre 2003 e 2017.
Eles também descobriram que 3,3 bilhões de pessoas estavam vivendo sob ditaduras no ano passado, em comparação com 2,3 bilhões em 2003.
Parte da razão para explicar isso pode ser o fato de que não sabemos reconhecer genocidas e torturadores sanguinários. Nunca aprendemos como os piores seres humanos do mundo eram antes de tomar o poder.
Acontece que os maiores monstros da história eram, em um nível pessoal, chocantemente normais. Inclusive, tinham um lado muito humano.
Você provavelmente gostaria de um ditador se conhecesse um pessoalmente
Os livros de história chamam os ditadores de “carismáticos” como se isso não passasse de uma capacidade de hipnotizar multidões sem instrução com slogans extravagantes. Não é bem assim. Também significa que eles são seres humanos genuinamente simpáticos. Você provavelmente gostaria da companhia deles.
Foi com charme que Saddam Hussein cresceu no Partido Ba’ath. As pessoas que o apoiavam no poder pensavam que ele era um moderado de bom coração em quem podiam confiar.
No dia em que Saddam foi levado à forca, os jovens soldados americanos que o guardavam choraram. Eles lamentaram a morte de uma pessoa que passaram a ver como um amigo.
Mas como um ditador genocida conseguiu encantar os soldados enviados para vigiá-lo? Provavelmente porque, de perto, ele não parecia o homem que matou 200 mil curdos com armas químicas.
Outro exemplo é o de Adolf Hitler. Antes de gritar em praças públicas, Hitler foi encantador com Ernst Hanfstaengl, um aristocrata alemão hilário cuja riqueza e poder social foram fundamentais para a ascensão do ditador ao poder.
A primeira vez que Hanfstaengl levou Hitler para jantar, ficou claro que ele não tinha ideia de como usar utensílios da mesma forma que um aristocrata. Hitler não tinha modos, disse coisas estranhas e em certo ponto até colocou açúcar em um vinho caro porque não gostou do sabor.
Seu desatino fez com que Hanfstaengl o amasse. “Cada ato ingênuo aumentava minha crença em sua sinceridade caseira”.
Você pode cometer genocídio e ainda ser um pai amoroso
O livro “Stálin – A Corte do Czar Vermelho” mostra uma série de cartas trocadas entre Josef Stalin e sua segunda esposa, Nadya, na qual o ditador escreve sobre seus filhos como se fosse um personagem de uma sitcom que cometeu erros bobos de paternidade e agora quer compensar.
Stalin também enviava regularmente limões a sua esposa. Fazendeiro, plantou limão toda a sua vida. Nada disso quer dizer que Stalin foi um ótimo pai ou marido, mas seus filhos achavam que ele era “mais suave” que a mãe, e seus sentimentos por sua esposa não eram teatro político.
Quando Nadya cometeu suicídio, Stalin ficou tão perturbado que teve que ser vigiado para não fazer o mesmo.
Osama Bin Laden também foi um pai surpreendentemente envolvido. Embora tenha forçado sua família a se mudar para um complexo no deserto, também se certificou de que seus filhos tivessem comodidades como um Nintendo.
Além disso, como a escola particular do complexo era só para meninos, Bin Laden ensinava pessoalmente matemática e ciências para suas filhas todos os dias, testando seu progresso e se certificando de que elas estavam aprendendo.
O cara que derrubou as Torres Gêmeas provavelmente passou mais tempo cuidando da educação de seus filhos do que a maioria dos pais lendo este artigo (sem ofensas).
A maioria dos mestres do mal não é covarde
Quando Bin Laden foi morto, uma das primeiras histórias virais sobre o evento foi que ele supostamente usou uma de suas esposas como escudo humano. Não é verdade. Bin Laden morreu desarmado, provavelmente encarando o homem que o matou.
Ele não era um covarde. Além de ter participado de combates durante a ocupação russa do Afeganistão (não sabemos quantos, nem exatamente como), Bin Laden teve a opção de ser incrivelmente rico toda a sua vida e desistiu disso para lutar por uma causa em que ele acreditava. Uma causa horrível, mas enfim…
Muitas vezes, ditadores são pintados como covardes porque a coragem física em face do perigo é considerada uma coisa virtuosa em diversas culturas. É por isso que veteranos de guerra são muito respeitados nos Estados Unidos, por exemplo.
Mas até Hitler foi um veterano de guerra. Novamente, não dá para medir a dificuldade das batalhas que ele lutou ou sua bravura, mas a Frente Ocidental na Primeira Guerra Mundial era basicamente o pior lugar para ser um soldado em toda a história, e Hitler passou quatro anos lá.
Sua experiência de guerra começou durante o Massacre dos Inocentes, o qual seu regimento entrou com 3.600 homens. Quatro dias depois, apenas 611 estavam vivos e ilesos.
Depois da guerra, enquanto construía sua carreira como político, Hitler regularmente se envolvia em brigas de rua e de bar. Sua arma de escolha era um chicote de couro de hipopótamo. Ele o usava para bater em cachorros quando queria impressionar garotas. Isso resume a questão: alguém pode ser fisicamente corajoso e uma péssima pessoa ao mesmo tempo.
Stalin é outro que não pode ser considerado covarde. Quando a história o convocou a enfrentar os militares mais assustadores já reunidos, ele teve a coragem para fazê-lo.
Quase todos os ditadores são artistas
Famosamente, Hitler foi um pintor fracassado. A maioria de seus colegas ditadores, no entanto, tiveram carreiras artísticas mais ou menos bem-sucedidas. Mao Tsé-Tung, líder supremo da República Popular da China e responsável por 20 a 45 milhões de mortes, foi um poeta realizado. Uma das obras de Mao, “Dois Pássaros: um diálogo“, é um poema sobre a loucura da Guerra do Vietnã.
Stalin também foi poeta. Quando criança, ele amava Shakespeare e Walt Whitman. Seu trabalho era bom o suficiente para impressionar um famoso poeta da Geórgia, que publicou cinco das suas obras.
Muammar Gaddafi foi outro poeta e escritor (além de assassino). Ele é mais famoso por escrever “The Green Book”, um tratado sobre o que ele chamou de “socialismo islâmico”. Ele também escreveu uma coleção de contos chamados “Escape To Hell”.
Os ditadores norte-coreanos Kim Il-sung e Kim Jong-il escreveram livros infantis. O primeiro escreveu o amado conto de fadas “Butterfly And The Cock”, enquanto Jong-il criou um pequeno conto intitulado “Boys Wipe Out Bandits”, história ultraviolenta de um bando de garotos que matavam bandidos e um ogro, que pode ser uma metáfora para os EUA.
Por fim, mais um ditador artista é Saddam Hussein, com seu romance “Zabiba e o Rei”. A trama básica é que o rei, um claro ditador tipo Saddam, se apaixona por uma mulher local, Zabiba, que possivelmente representa o povo do Iraque.
O único problema é que ela é casada com um homem terrível (talvez os EUA). O marido, cego de ódio pelo caso que Zabiba teve com o rei, cria um exército com a ajuda de um personagem que só pode ser Israel para, juntos, invadirem o reino.
Durante a invasão, a história dá uma guinada estranha. Zabiba lidera a defesa do país. Ela morre lutando contra os invasores e, em sua honra, o rei estabelece um conselho democrático para assumir o controle do Iraque. Então ele sai de vista enquanto um bando de velhas e camponeses dirigem o país. Será que o fim é irônico?
Tiranos não nascem psicopatas
Onde quer que haja um homem amplamente odiado, você encontrará pessoas chamando-o de psicopata ou sociopata. Um ou outro ditador (ou vários deles) podem mesmo ter sido psicopatas, mas o problema é que nós, como cultura, temos a tendência de jogar esse rótulo em qualquer pessoa poderosa que faça coisas terríveis.
Isso parece derivar da ideia de que você tem que ser um monstro implacável para conseguir o poder em primeiro lugar. A verdade pode ser mais assustadora que isso.
Há alguns anos, cientistas começaram a estudar as formas como o poder afeta o cérebro humano. Eles descobriram que o poder faz com que as pessoas se tornem mais impulsivas, menos conscientes dos riscos e menos capazes de ter empatia pelos outros. Os efeitos são graves o suficiente para serem comparáveis a danos cerebrais.
Por exemplo, Hitler provavelmente nunca foi um santo. Mas também não foi sempre o homem que ordenou a morte de milhões. Você pode, compreensivelmente, querer duvidar de qualquer anedota humanizadora sobre Hitler.
Mas Eduard Bloch, o médico da família de Hitler, era judeu. O ditador alemão ficou tão agradecido pelo cuidado que ele teve com sua mãe, que morreu de câncer de mama, que colocou a família do homem sob proteção do governo em 1938 e acelerou sua emigração para os Estados Unidos.
Possivelmente, a chave para entender Hitler e todas as pessoas como ele é pensar que esses seres não nasceram monstros, e sim se tornaram um em etapas, e sem perceber isso em nenhum momento.
É a famosa questão: “e se você pudesse voltar no tempo e matar o jovem Hitler?”. Talvez outro “Hitler” teria surgido. Porque, se o próprio poder pode sufocar a humanidade em uma pessoa, então o problema é mais complexo do que matar todos os nascidos psicopatas.
Isso significa que, em vez de torcer pelo surgimento de uma figura poderosa que por acaso esteja do seu lado – seja um político, uma empresa ou um bilionário -, precisamos garantir que o poder absoluto não resida em uma única mão nunca.
Conclusão
Somos condicionados a pensar que algumas pessoas nascem más, acordam más todos os dias, tomam o café da manhã de maneira maligna e seguem seu dia com a mais pura maldade. Sugerir o contrário é “humanizar” ditadores.
Infelizmente, eles são humanos mesmo. E é por isso que nem sempre o notamos até que eles já estejam ordenando maldades do principal centro governamental de uma nação.
Ciberia // HypeScience / Cracked