Todos nós já passamos por isso quando damos uma topada, somos fechados no trânsito ou derramamos café. De repente, soltamos um xingamento inflamado.
Instintivamente, buscamos um palavrão e, como num passe de mágica, obtemos um certo nível de satisfação instantânea.
Afinal, qual é a ciência por trás do palavrão?
O que é o palavrão?
“É muito, muito difícil de definir o palavrão”, diz Emma Byrne, especialista no assunto e autora do livro Dizer Palavrões Faz Bem.Segundo ela, é o tipo de linguagem que usamos tanto quando estamos em choque, surpresos, eufóricos, queremos ser engraçados ou ofensivos… mas é um fenômeno cultural que só faz sentido dentro de uma comunidade, grupo linguístico, sociedade, país ou religião.
“Nós decidimos o que é palavrão por consenso. E muito desse consenso tem a ver com o que é tabu em uma cultura específica: em alguns lugares, se ofende muito por partes do corpo, em outros por nomes de animais, doenças ou certas funções do organismo”, explica Byrne.
Mas há um elemento-chave sobre os palavrões: “Para ter esse impacto emocional, você precisa brincar com um tabu nessa sociedade em particular”.
Em caso de dúvida, Byrne esclarece: “É o tipo de linguagem que você consideraria não usar em certas circunstâncias, por exemplo, em uma entrevista de emprego ou ao conhecer os pais do seu namorado pela primeira vez”.
Por que falamos palavrão?
É claro que pode haver algumas pessoas que nunca falam palavrão, mas muitos de nós identificamos aquela súbita sensação de alívio ao proferir um impropério, a sensação de que certas palavras são carregadas com uma camada extra de energia .
Byrne conta que uma das coisas mais interessantes com que se deparou durante sua pesquisa [analisando estudos de casos médicos] foi o fato de que pessoas que foram submetidas a uma hemisferectomia [remoção de um lado do cérebro devido a um dano irreparável] podem perder a capacidade de falar, mas não completamente.
“A pessoa perde a maior parte da linguagem, mas ela ainda será capaz de falar palavrão”, diz Byrne.
“Parece que estabelecemos conexões emocionais muito fortes com certos tipos de linguagem, e isso é armazenado separadamente do resto da nossa linguagem. Você pode remover [parte do cérebro] e anular completamente a capacidade de alguém de usar a linguagem de forma deliberativa e planejada como estou fazendo agora. Mas elas ainda podem falar palavrões espontaneamente.”
“O xingamento está tão profundamente ligado às emoções, que os movimentos musculares necessários para proferir palavrões são armazenados em vários lugares. Portanto, temos backups quando precisarmos deles”, completa.
Uma palavra substituta resolveria?
“Eu me perguntei se haveria algum sentido em falar palavrão quando você está com dor, e se isso ajuda de alguma forma”, diz Richard Stevens, professor de Psicologia na Universidade de Keele, no Reino Unido, e responsável pelo Laboratório do Palavrão, onde realiza experimentos.
Um deles, para ver se os palavrões podem nos ajudar a lidar com a dor ou situações extremas, consiste simplesmente em enfiar a mão em um balde cheio de gelo, para ver quanto tempo você aguenta. A pessoa faz isso duas vezes: uma vez falando palavrões de verdade e, na outra, expressões substitutas polidas.
Os especialistas descobriram que, ao falar palavrões de verdade, as pessoas se saíam melhor e conseguiam manter a mão por mais tempo no gelo, mas as palavras substitutas completamente arbitrárias não funcionavam porque não tinham o impacto emocional de um palavrão real. Por que isso acontece?
“Normalmente vemos um aumento na frequência cardíaca nas condições de xingamento, em comparação com a palavra neutra. Isso parece indicar algum tipo de resposta emocional ao palavrão, e sabemos que o xingamento é um tipo de linguagem emocional”, diz Stevens.
“A hipótese com que trabalhamos é que, quando as pessoas falam palavrão com dor, elas estão na verdade aumentando seus níveis de estresse e trazendo à tona um fenômeno chamado analgesia induzida por estresse [em que você é insensível à dor], que faz parte da resposta mais ampla de luta ou fuga”, acrescenta.
Os animais também xingam?
Mas não são apenas os humanos que xingam. Byrne diz que existem alguns estudos com chimpanzés que envolvem essencialmente a criação destes animais em uma versão ampliada de uma casa de família.
Os especialistas em primatas americanos Deborah e Roger Foots “só falavam perto dos chimpanzés usando linguagem de sinais. E ensinaram a eles sinais para todos os tipos de coisas”, explica Byrne.
Na natureza, os chimpanzés tendem a se comunicar jogando suas fezes — mas os Foots tornaram isso um sério tabu ao treinar os animais que compartilhavam a casa com eles a usar um penico.
“Depois de fazer isso, os chimpanzés começaram a usar o sinal que aprenderam para descrever ‘evacuação ou sujeira’ da mesma forma que os falantes da língua inglesa usam essa palavra para tudo relacionado a ‘cagadas'”, diz Byrne.
“Eles [os chimpanzés] usavam para expressar sua frustração, para protestar, e começariam a usar o sinal para chamar outros chimpanzés de ‘macaco sujo’, que é o pior insulto que eles poderiam usar.”
E não para por aí. “Roger e Deborah Foots escrevem sobre caminhar pelo laboratório e ouvir esses chimpanzés batendo a parte de trás das mãos na parte de baixo do queixo [o sinal de ‘sujo’] com tanta força que os dentes batiam junto”, acrescenta.
“E isso, para mim, foi provavelmente uma das partes mais interessantes da pesquisa para o meu livro: a compreensão de que, assim que você tem um tabu e os meios para expressá-lo, algo como um palavrão pode surgir”, conclui Byrne.
// BBC