Ser gay deixou de ser considerado oficialmente um transtorno mental na Rússia há quase duas décadas. O país retirou, em 1999, a homossexualidade da sua lista de doenças mentais, com 26 anos de atraso em relação aos Estados Unidos e sete anos depois da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Extraoficialmente, porém, a homofobia ainda é forte no país, e há quem siga oferecendo controversos métodos de “cura gay”.
Após denúncias de perseguições a homossexuais na república russa da Chechênia, testemunhos de pacientes dessas “curas” começaram a vir à tona, alguns deles relatando impactos “catastróficos” em suas vidas.
Um dos pioneiros nesses “tratamentos” contra a homossexualidade é o psicoterapeuta Yan Goland, de 80 anos, que alega ter “curado” 78 homossexuais e 8 transexuais, seguindo um método que inclui “extinguir” a atração por pessoas do mesmo sexo usando sessões de hipnose que podem durar até oito horas.
Também emprega uma combinação de psicanálise e terapia que tenta influenciar os sonhos.
“Quando alguém vem se consultar comigo, mostro casos similares, o antes e depois. O paciente se enche de esperanças (…) e entende que precisa seguir um tratamento, que pode durar entre 8 e 18 meses. No caso dos transexuais, pode se estender por até 2 anos e meio. Uma vez tive uma paciente particularmente difícil e trabalhei com ela durante oito anos”, diz ele ao Serviço Russo da BBC.
Na segunda fase do tratamento, o objetivo é criar atração pelo sexo oposto, e o método se torna ainda mais polêmico: Goland incentiva seus pacientes homens a ver as mulheres ao seu redor como objeto sexual.
“Digo a eles: ande pela rua e olhe para todas as mulheres jovens com as quais cruzar. Escolha a melhor“, explica.
O último passo é fazer sexo com pessoas do sexo oposto.
“O caminho correto”
Yuri, de 40 anos, foi paciente de Goland. Conta que iniciou seu tratamento na década de 1990 porque queria “acordar e estar no caminho certo”. No entanto, diz que o resultado foi a implosão de sua vida sexual.
“O resultado foi, sem nenhuma dúvida, negativo. Danoso. Para ser sincero, catastrófico“, diz Yuri.
Na Rússia, uma busca na internet por “como curar a homossexualidade” leva a uma série de sites que oferecem consultas médicas. Um dos resultados da busca direciona aos irmãos Nikitenko, que se autodescrevem como psico-hipnotizadores e oferecem um curso de dois meses de áudio-hipnose. Cada sessão custa o equivalente a R$ 280.
Nikolai Nikitenko diz ver a homossexualidade como um tipo de transtorno obsessivo compulsivo, alegando que “quando se vê pornografia ou se pratica sexo gay, cria-se uma nova via neural no cérebro”. Sua hipnoterapia busca “ensinar ao paciente formas adequadas de se comportar e reagir“.
“[O paciente] treinou a si mesmo para se tornar gay, então vamos treiná-lo para que seja heterossexual e assim não terá que se preocupar em controlar seus sentimentos”, declara Nikitenko que, com seu irmão, diz ter tratado sete gays que queriam deixar de sê-lo. Ele descarta “qualquer possibilidade de recaída”.
Vale ressaltar, porém, que muitos médicos russos tratam o assunto da maneira mais aceita globalmente: que a orientação sexual de uma pessoa não pode – e não precisa – ser mudada.
É isso o que o médico Pavel Sobolevsky costuma dizer a seus pacientes LGBT.
“Você geralmente se torna ciente de sua orientação sexual entre 11 e 13 anos de idade. São muitas as orientações, e a homossexualidade é uma das variantes normais“, explica, agregando que tentar mudar uma orientação sexual por meio de psicoterapia pode ser prejudicial ao paciente.
Organizações religiosas
Assim como no Brasil, há várias organizações religiosas russas que também oferecem “tratamentos” para homossexuais. Procuradas pela BBC Rússia, muitas não quiseram revelar a natureza dos tratamentos e disseram que dão entrevistas apenas a meios de comunicação religiosos.
O pastor Yevgeny Peresvetov, líder da organização protestante Vosstanovleniye (palavra russa que significa “ressurreição” e “reabilitação”), promete ajudar gays a “rejeitar” sua sexualidade. “Praticamente todos os homossexuais sofrem (com a) homossexualidade”, diz, classificando isso de “perversão de ordem espiritual”.
“Os homossexuais se libertam quando encontram Deus em sua figura paterna”, alega Peresvetov.
Maria, 27, foi levada à força à igreja para ser “tratada” quando tinha 13 anos de idade. Recebeu água benta enquanto fiéis rezavam por ela. “Não conseguia escutar nada. Eu chorava e gritava. Eles continuaram a ler preces por um bom tempo. Na igreja, disseram que minha atração por mulheres vinha de Satanás“, conta ela à BBC.
“Me cobriram de água benta e me obrigaram a bebê-la. Às vezes me batiam com varas. Ainda tenho pesadelos. Sinto como se eles tivessem despedaçado a minha mente”, disse.
“Como o resto do mundo”
Yevgeniya, mulher transgênero de 19 anos, sofreu traumas semelhantes quando contou a seu médico que se sentia uma mulher em um corpo masculino.
“Ele me disse: ‘O que acontece é que você se deixou levar. Olhe para você, é um homem de verdade. Não pode simplesmente viver como faz o resto do mundo?’.”
Um segundo médico lhe disse que provavelmente era um homem gay, e não um transexual, e concluiu que Yevgeniya estava “tentando chamar atenção”.
“Quem vai querer alguém como você? Você acha que alguém vai te contratar?“, diz ter ouvido do médico, que lhe ofereceu ajuda para “se converter em uma pessoa normal”.
“Ele falou que eu devia me conformar com a ideia de que eu era um homem“, concluiu.
// BBC