Exilado na Alemanha, Can Dündar, ex-editor-chefe de jornal crítico a Erdogan, é condenado sob acusação de espionagem. Veredito é “duro golpe contra o trabalho jornalístico independente na Turquia”, diz ministro alemão.
Um tribunal da Turquia condenou o jornalista turco Can Dündar, julgado à revelia, a 27 anos e seis meses de prisão, sob acusação de espionagem e de dar auxílio a uma organização terrorista, informaram seus advogados nesta quarta-feira (23/12).
O ex-editor-chefe do jornal Cumhuriyet, crítico ao governo do presidente Recep Tayyip Erdogan, e seu colega Erdem Gul foram inicialmente sentenciados em 2016 a cinco anos de prisão por publicarem uma reportagem que acusou agentes da inteligência turca por ajudar a a enviar armas a grupos jihadistas na Síria.
A reportagem incluía um vídeo de 2014 que mostrava homens uniformizados descarregando caminhões e abrindo caixas. Outras imagens mostravam caminhões carregados com munições para morteiros. O jornal afirma ainda que o serviço de inteligência da Turquia e o próprio presidente Erdogan não permitiram a abertura de um inquérito por parte da promotoria para investigar o caso.
Erdogan teria se enfurecido com a reportagem e abriu um processo criminal contra Dündar e Gul, que era o chefe do escritório do Cumhuriyet em Ancara. O presidente disse que os caminhões mostrados no vídeo levavam ajuda para grupos do Turcomenistão na Síria, e que os jornalistas “pagariam um alto preço” pela reportagem.
Dündar foi acusado de apoiar a rede liderada pelo clérigo Fethullah Gülen, desafeto de Erdogan exilado nos Estados Unidos e acusado pelo governo turco de estar por trás de uma tentativa de golpe de Estado em 2016, que acabou sendo reprimida.
Refúgio na Alemanha
Depois de condenados, os dois jornalistas foram soltos em liberdade provisória. Uma corte de apelação anulou as sentenças e ordenou um novo julgamento, iniciado em 2019, visando a imposição de sentenças ainda mais duras.
Dündar acabou fugindo para a Alemanha, onde está exilado. Um tribunal em Istambul o declarou como fugitivo e ordenou a apreensão de todos os seus bens na Turquia.
Seus advogados se recusaram a comparecer à audiência final do processo. “Não queremos ser parte de uma prática para legitimar um julgamento político previamente decidido“, afirmaram em nota, antes da sessão na corte.
Para os críticos de Erdogan, Dündar se tornou um símbolo da repressão imposta pelo governo à liberdade de imprensa, em especial, desde o fracassado golpe de Estado de 2016. As autoridades, entretanto, afirmam que os tribunais são independentes e que apenas reagem às ameaças enfrentadas pelo país.
Dündar disse que a decisão dos juízes apenas contribuiu para tornar a denúncia ainda mais conhecida. “O veredito de hoje é sobre uma reportagem minha que trata da inteligência turca apoiando ilegalmente jihadistas na Síria. O governo estava tentando manter isso em segredo e eu fui condenado por revelar esse segredo nacional.”
“Mas, graças à essa decisão brutal e injusta, todos agora sabem que a inteligência turca contrabandeou armas para islamistas radicais na Síria. Dessa forma, posso somente agradecer por tornarem essa história conhecida no mundo todo”, afirmou o jornalista à DW.
Ministro alemão condena veredito
O ministro do Exterior da Alemanha, Heiko Maas, disse que o veredito é um “duro golpe contra o trabalho jornalístico independente na Turquia”.
“O jornalismo não é crime, mas sim um serviço indispensável para a sociedade, especialmente quando observa de modo crítico e investigativo o que fazem aqueles que detêm o poder”, afirmou.
A ONG Repórteres sem Fronteiras coloca a Turquia na 154ª posição entre 180 países ranqueados na edição de 2020 do Índice de Liberdade de Imprensa.