A justiça britânica rejeitou nesta segunda-feira o pedido da extradição do fundador do WikiLeaks, Julian Assange, para os Estados Unidos, que deseja julgá-lo por espionagem e divulgação de centenas de milhares de documentos secretos.
A decisão foi anunciada pela juíza Vanessa Baraitser na corte criminal de Old Bailey, em Londres. Ela considerou que Assange poderia se suicidar caso fosse extraditado aos Estados Unidos.
A acusação tem o direito de recorrer, podendo prolongar a saga judicial que envolve o australiano desde 2010. Uma audiência deve ser realizada na tarde desta segunda-feira para decidir se ele pode ser libertado.
O australiano de 49 anos é o fundador da plataforma WikiLeaks, que publicou centenas de milhares de documentos confidenciais que deixaram Washington em uma situação delicada. Entre os documentos mais polêmicos está um vídeo que mostra helicópteros de combate americanos atirando contra civis no Iraque em 2007.
O ataque matou várias pessoas em Bagdá, incluindo dois jornalistas da agência de notícias Reuters. Milhares de documentos sobre as operações militares dos Estados Unidos no Afeganistão também vieram à tona.
Em 28 de novembro de 2010, Wikileaks também publicou, com a ajuda de grandes veículos internacionais de imprensa – New York Times, The Guardian, Der Spiegel, Le Monde e El País – mais de 250 mil documentos secretos da diplomacia americana. As revelações tornaram Assange um dos principais inimigos públicos de Washington.
Antes do pronunciamento, a justiça inglesa afirmou que examinava de maneira detalhada a solicitação americana para se certificar que o pedido é compatível com os direitos humanos. Os defensores de Assange consideram o caso crucial para a liberdade de imprensa.
Covid-19 atrasou audiências
As audiências tiveram início em setembro, com meses de atraso devido à pandemia de coronavírus. O processo foi marcado por protestos na porta do tribunal, onde partidários do australiano exibiram cartazes com frases como “Prendam os criminosos de guerra, libertem Julian Assange!”.
Alegando o temor de que Assange, cuja saúde física e mental está debilitada, cometa suicídio, sua companheira Stella Moris entregou em setembro ao gabinete do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, uma petição com 800 mil assinaturas contra a extradição.
Desde abril de 2019, o australiano é mantido em uma penitenciária de segurança máxima de Londres. Na época, ele foi detido na embaixada do Equador, onde permaneceu refugiado por sete anos. Caso seja extraditado aos Estados Unidos e a justiça americana o declare culpado de espionagem, Assange pode ser condenado a 175 anos de prisão.
Washington alega que o australiano tenha colocado em perigo as vidas de seus informantes com a publicação dos documentos secretos sobre as ações militares americanas no Iraque e Afeganistão, que revelaram atos de tortura, mortes de civis e outros abusos. Mas, para o comitê de apoio a Assange, “as acusações com motivação política representam um ataque sem precedentes à liberdade de imprensa”.
A defesa do fundador do WikiLeaks também denuncia que o presidente americano, Donald Trump, queria transformá-lo em um castigo “exemplar” em sua “guerra contra os jornalistas investigativos” e que Assange não teria um julgamento justo nos Estados Unidos.
EUA quer fazer de Assange um exemplo
Há vários anos, os Estados Unidos exigem a extradição de Assange. Segundo o francês, Guillaume Ledit, coautor do livro “Dans la tête de Julian Assange” (“Na cabeça de Julian Assange, tradução livre), o julgamento do australiano tem um valor simbólico para a administração americana.
“Os Estados Unidos têm a ambição de tornar Assange um exemplo de que não é mais possível utilizar a ‘liberdade digital’ para denunciar irregularidades de governos e empresas”, analisa.
Segundo ele, o WikiLeaks encarnou a vontade de “revolucionários da web” de revelar escândalos econômicos e políticos, em um queda de braço acirrada com os Estados. “Esse combate continua sendo realizado, mas está claramente sendo vencido pelas potências: governos e empresas que se apropriaram da internet”, diz.
Para Guillaume Ledit, a administração americana tenta provar que o australiano não passa de um espião e suas ações não estão relacionadas com a liberdade de imprensa, embora “divulgando todos esses documentos, ele tenha executado um papel de jornalista investigativo”, defende.
Depois de atitudes “agressivas” do governo Obama contra o fundador do WikiLeaks e a tentativa de Trump de extraditá-lo, a futura administração Biden “deve seguir o mesmo caminho”, “o que não deve ser nada bom para Assange”, conclui.
// RFI