A transmissão aérea do novo coronavírus interpela os especialistas desde o início da pandemia. Nessa segunda-feira, um grupo de 239 cientistas alertou as autoridades de saúde do mundo inteiro, e em particular a OMS, sobre a capacidade de transmissão do vírus pelo ar além de dois metros de distância, isto é, pela suspensão de partículas virais no ar e não apenas pelas projeções de gotículas de saliva.
O grupo publicou na revista Clinical Infectious Diseases d’Oxford uma carta endereçada às autoridades sanitárias globais, pedindo que elas reconheçam os riscos da transmissão aérea. No texto, os cientistas recomendam uma ventilação reforçada dos espaços públicos fechados para frear a propagação da pandemia.
O texto visa principalmente a OMS, muito criticada por ter demorado a aconselhar o uso de máscaras para se proteger da doença, que já matou mais de 500.000 pessoas no mundo em seis meses. O grupo acusa a agência da ONU de se recusar a aceitar a acumulação de evidências sobre a propagação aérea.
A OMS e outras instituições de saúde estimam que o coronavírus é transmitido pelas gotículas de saliva projetadas pela tosse, espirros ou quando a pessoa contaminada fala no rosto de pessoas que estão próximas a ela.
Outra hipótese aceita é que essas partículas virais “pousem” em outras superfícies e passem em seguida para as mãos de pessoas sadias que serão contaminadas ao tocar suas bocas, narizes e olhos. Essas gotículas são pesadas e caem a uma distância de cerca de um metro. Por isso, atualmente as recomendações sanitárias de distanciamento físico de no mínimo um metro, lavagem de mãos e uso de máscaras são privilegiadas.
Mas os estudos sobre o SARS-CoV-2 e outros vírus respiratórios evidenciaram que as partículas virais também estavam presentes em gotículas microscópicas (menores do que 5 micros de diâmetro) do ar expelido por infectados.
Muito mais leves, essas partículas podem ficar suspensas, potencialmente durante horas, em locais fechados e serem inaladas por outras pessoas. Ainda não foi provado que elas são contagiosas, mas as provas de que elas podem infectar outras pessoas se acumulam.
Renovar o ar
Não existe um consenso científico sobre a importância da via aérea no contágio do novo coronavírus, mas Julian Tang, um dos signatários da carta, lembra que a OMS não é capaz de provar o contrário. “A falta de prova não é uma prova de ausência de causa e efeito”, filosofa o cientista da Universidade de Leicester
Neste momento em que vários países flexibilizam as medidas de isolamento social, os especialistas sugerem que é urgente ventilar os locais de trabalho, as escolas, os hospitais e as casas de repouso.
Eles aconselham a instalação de instrumentos de luta contra as infecções, como filtros de ar sofisticados ou raios ultravioletas especiais que matam os micróbios em circuitos de aeração.
Ao contrário da OMS, as autoridades dos Estados Unidos e de países europeus preferem se prevenir. O Centro de Prevenção de Luta contra as Doenças americano “recomenda a circulação do ar o tanto quanto possível”.
As autoridades sanitárias europeias explicaram em 22 de junho que o ar condicionado poderia diluir o vírus no ar e o expelir, mas ele poderia ter o efeito inverso se o sistema de ventilação não renovasse o ar e o fizesse circular no mesmo ambiente.
Um exemplo famoso é o do foco iniciado em um restaurante de Canton, na China, em janeiro. No local, uma pessoa assintomática contaminou os clientes de duas mesas vizinhas, sem nenhum contato. O ar condicionado fez provavelmente o vírus circular de uma mesa a outra.
A OMS distingue os vírus transmitidos pelo ar, como a rubéola e a tuberculose, e os outros, mas a situação não teve ser encarada como “um problema de dicotomia”, explicou Caroline Duchaine, outra signatária da carta. Segundo a diretora do laboratório sobre os aerossóis da Universidade de Laval, no Québec, “opor a transmissão de um vírus como o da rubéola e da Covid-19 é um erro“.
// RFI