Em abril, as autoridades de Sacramento, no estado norte-americano da Califórnia, anunciaram que tinham resolvido um caso arquivado com 40 anos. Porém, o mais impressionante não foi o resultado, mas o método: a genealogia genética.
A investigação para descobrir a identidade do Golden State Killer, um assassino em série e estuprador que aterrorizou a Califórnia nas décadas de 70 e 80, frustrou a polícia durante anos. Nos últimos 40, o criminoso escapou com 13 assassinatos e pelo menos 50 estupros.
Mas só até abril deste ano. Desde então, a genealogia genética é a ferramenta que a polícia tem usado para resolver casos arquivados por todos os EUA. É uma mistura de análise de DNA, tecnologia de ponta e genealogia de família, segundo o CBS News.
A polícia nunca teve nenhuma pista para conseguir chegar ao Golden State Killer. Tinha o seu DNA, mas não tinham correspondência com ninguém na base de dados das autoridades. Antes de se aposentar, Paul Holes, pequisador de casos arquivados, experimentou um último recurso.
Tudo se resume a um site – GEDMatch – criado por dois amigos reformados, John Olson e Curtis Rogers como um passatempo. A plataforma online é de acesso gratuito (com o pagamento inicial de 10 dólares para entrar) para quem esteja interessado em reconstruir sua história familiar ou até encontrar um pai biológico.
Paul Holes submeteu o DNA na base de dados do GEDMatch e funcionou. O site os levou à porta de um policial aposentado, James Joseph DeAngelo, de 72 anos, que foi identificado como o Golden State Killer e preso.
Mas não basta introduzir os dados do DNA no formato correto para encontrar criminosos que escaparam. É necessária a ajuda de genealogistas de genética para construir a árvore da família com recurso a outras informações privadas.
É assim que a polícia tem chegado aos criminosos a quem já tinha perdido o rastro. Após esse caso, as autoridades fizeram prisões em pelo menos 11 casos arquivados usando a técnica de genealogia genética.
No final de junho, Gary Hartman, de 66 anos, foi detido por agressão sexual e homicídio de Michella Welch, de 12, em 1986.
Segundo a revista Visão, um dos últimos casos foi o de um homem que atacou uma mulher na noite de Halloween, em 1996. Mais uma vez, as autoridades tinham o seu DNA, mas sem correspondências. Ao usarem o GEDMatch, chegaram a um parente próximo, encontrando e detendo rapidamente Roy Charles Waller, especialista em segurança da Universidade da Califórnia.
John Olson e Curtis Rogers, de 67 e 80 anos, temeram que as prisões afastassem as pessoas da sua plataforma. Pelo contrário, depois do primeiro criminoso ser preso, chegaram às 5 mil inscrições por dia.
Mas isso é legal?
Atualmente, o GEDMatch pode ser utilizado para identificar pelo menos 60% dos norte-americanos com ascendência europeia.
O site tem levantado discussão sobre questões éticas e de privacidade, uma vez que a utilização pode ser considerada abusiva. O uso do serviço dessas plataformas para perseguir criminosos pode ser uma violação da Quarta Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que protege os cidadãos contra buscas e prisões sem mandado.
Segundo a professora Natalie Ram, diretora do centro de Medicina Legal da Universidade de Baltimore, que publicou um estudo sobre o tema em junho, os cidadãos anulam as proteções previstas na Quarta Emenda quando compartilham voluntariamente o DNA com serviços genéticos diretos ao consumidor ou em sites públicos de genealogia.
“O uso de bancos de dados de DNA para identificar membros da família que não estão no banco de dados levanta questões sérias e preocupantes sobre a privacidade genética”, disse Ram. “Indivíduos que não fazem parte diretamente de um banco de dados são encontrados como um subproduto da biologia, e não através de qualquer conduta voluntária própria.”
O Supremo Tribunal, em 2018, proibiu buscas de localização de celular sem mandado devido a preocupações com privacidade. “Essa decisão provavelmente será aplicada a informações profundamente confidenciais como dados genéticos”, disse Ram. Algumas leis estaduais já restringem esse tipo de buscas, mas a especialista considera que são necessários regulamentos mais amplos.
Até lá, pode-se esperar mais investigações como a que foi usada para encontrar o Golden State Killer. Segundo a PBS, agora, algumas empresas oferecem serviços de buscas forenses em bancos de dados de genealogia.
Em maio, o GEDMatch alterou sua política de privacidade, explicitando que os dados poderiam ser usados em investigações criminais.
Ciberia // ZAP