Ministério da Saúde sugere que jornais confundiram proporção de idosos no estudo da AstraZeneca com percentual de eficácia em pessoas acima de 65 anos. Imbróglio deve ser esclarecido com análise de reguladores europeus.
O ministro da Saúde da Alemanha, Jens Spahn, classificou nesta terça-feira (26/01) como “especulações” as reportagens publicadas no dia anterior sobre uma suposta baixa eficácia da vacina da AstraZeneca contra a covid-19 em pessoas com mais de 65 anos.
Na segunda-feira, dois jornais alemães, Handelsblatt e Bild, afirmaram que o governo alemão temia que a vacina não recebesse aprovação das autoridades reguladoras europeias por apresentar uma eficácia de apenas 8% ou “menos de 10%” em idosos, supostamente abaixo da eficácia global de 70,42%. As reportagens citaram fontes anônimas do governo, mas não especificaram como esse número apareceu.
Nesta terça, o Ministério da Saúde alemão sugeriu que as publicações podem ter confundido o percentual de participantes idosos do estudo com a eficácia. “À primeira vista, parece que duas coisas foram confundidas nas reportagens: cerca de 8% dos participantes do estudo de eficácia da AstraZeneca tinham entre 56 e 69 anos de idade. E apenas de 3% a 4% acima de 70 anos”, declarou a pasta. “No entanto, isso não implica uma eficácia de apenas 8% em idosos.”
O conteúdo das reportagens do Handelsblatt e Bild já havia sido rejeitado na véspera pela AstraZeneca e a Universidade de Oxford, parceira da empresa no desenvolvimento da vacina. A farmacêutica classificou as reportagens como “completamente incorretas” e disse que dados publicados na revista The Lancet em novembro mostram que a vacina teve resultados robustos em idosos.
Um porta-voz de Oxford disse que a vacina mostrou “respostas imunológicas semelhantes em adultos jovens e idosos e um bom perfil de segurança”. De fato, em novembro os desenvolvedores da vacina publicaram um estudo na revista The Lancet apontando que estudos preliminares mostraram uma “resposta imune robusta em adultos saudáveis entre 56 e 69 anos e pessoas acima de 70 anos”.
Stephen Evans, epidemiologista da London School of Hygiene & Tropical Medicine, disse ao site Science Media Centre: “Os dados randomizados não sugerem que a vacina da AstraZeneca será significativamente menos eficaz na velhice.”
O Bild ainda não se posicionou sobre as repostas da empresa e as afirmações do governo alemão. No final da tarde, o Handelsblatt publicou um novo texto sobre o tema, mantendo o que havia publicado no dia anterior.
O tom das reportagens alemãs rendeu críticas furiosas por parte da imprensa do Reino Unido, país de origem da vacina. Alguns jornalistas britânicos chamaram os jornais alemães de “irresponsáveis” e de fornecer munição gratuita para grupos antivacina, além de provocar pânico infundado.
Dados escassos
Mas, apesar de rejeitar o conteúdo das reportagens, o Ministério da Saúde alemão apontou nesta terça-feira que “é conhecido desde o outono europeu que menos pessoas idosas estiveram envolvidas nos primeiros estudos apresentados pela AstraZeneca do que em estudos de outros fabricantes”.
Aparentemente, a escassez de dados públicos sobre os efeitos da vacina em idosos e uma estratégia errática da empresa para a divulgação da eficácia global ao longo de 2020 acabaram contribuindo para a confusão nos jornais alemães, fornecendo um terreno fértil para especulações.
No final de dezembro, a Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos para a Saúde do Reino Unido (MHRA) já tinha apontado que havia poucos dados sobre os efeitos da vacina em pessoas acima de 65 anos. Segundo a agência, pouco menos de 6% dos participantes dos estudos tinham mais de 65 anos. Em contraste, os estudos globais da vacina da Pfizer/Biontech contaram com 41% de voluntários entre 56 e 85 anos.
Para adicionar confusão, os autores do estudo da AstraZeneca apontaram num estudo publicado em dezembro na The Lancet que “a eficácia da vacina em grupos de idade mais avançada não pôde ser avaliada, mas será determinada, se houver dados suficientes disponíveis, em uma análise futura após o surgimento de mais casos”.
Os testes conduzidos pela AstraZeneca no Reino Unido começaram com adultos com até 55 anos, porque inicialmente a empresa focou em pessoal de saúde e trabalhadores da linha de frente na ativa. Os participantes idosos do teste foram recrutados mais tarde.
Portanto, a empresa tinha menos dados sobre esse grupo quando submeteu os dados aos reguladores britânicos. Mesmo em sua resposta ao jornais alemães divulgada na segunda-feira, a empresa não apresentou números, preferindo destacar as aprovações que recebeu no Reino Unido e a publicação em revistas científicas. No entanto, isso não significa que a vacina não seja eficaz em idosos.
Ainda não se sabe se a empresa forneceu dados adicionais para os reguladores europeus sobre os efeitos em pessoas com mais de 65 anos.
A avaliação da vacina pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA) está prevista para ocorrer até sexta-feira e deve ajudar a elucidar as dúvidas sobre a eficácia da vacina e as informações conflitantes que foram publicadas.
AstraZeneca sob pressão
A publicação das reportagens ocorreu num momento em que a AstraZeneca está sob pressão da União Europeia por causa de atrasos em cumprir a entrega de vacinas acordadas contratualmente com o bloco.
O grupo anglo-sueco anunciou na última sexta-feira que após a aprovação de sua vacina espera entregar apenas 31 milhões de doses, em vez de 80 milhões, até o final de março. A UE disse que recebeu uma “resposta insatisfatória” sobre os atrasos.
O imunizante da AstraZeneca/Oxford é encarado com grande expectativa por diversos governos, já que dispensa a complexa operação de refrigeração da vacina da Pfizer/Biontech.
A vacina da AstraZeneca também é a principal aposta do governo de Jair Bolsonaro. O Brasil fechou uma parceria com a empresa para a fabricação de doses em território nacional, por meio da Fiocruz. No entanto, a produção, inicialmente prevista para começar em fevereiro, deve ficar para março, devido a problemas na obtenção de insumos. Na semana passada, o país importou 2 milhões de doses prontas dessa vacina.
// DW