Paulo Cunha / Lusa

O fogo deflagrou na tarde de sábado (17) em uma área florestal em Pedrógão Grande (região central de Portugal) e se alastrou por municípios vizinhos, obrigando a evacuação de povoados que ficaram isolados. O último balanço é de que 62 pessoas morreram e 62 ficaram feridas. A maioria das mortes aconteceu dentro dos próprios carros das vítimas.
Na localidade próxima da Estrada Nacional 349 (onde ocorreram as mortes causadas pelo fogo), um grupo de moradores ainda fala da tragédia e chora a morte de muitos que tentavam fugir das chamas.
“Isto foi a morte que saiu à rua” aqui, “olhe para ali, é uma desgraça e os corpos já foram retirados”, diz Maria dos Anjos, de 90 anos, à agência Lusa. “As pessoas entraram em pânico e quiseram fugir. Era muito fogo e muito vento”, diz António, outro morador.
Maria Augusta Nunes tem 84 anos e nunca tinha visto nada igual: “o vento era o Diabo que levava o fogo para todo o lado. Até no sítio onde o fogo não andou está tudo seco. Tenho ali uma horta que morreu, mas não foi pelo fogo”.
É esta a ansiedade que se faz sentir nas cidades de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos. Pessoas ficaram sem teto, apenas com a roupa do corpo e muitos ainda continuam sem saber dos familiares desaparecidos.
“Pensei que ficaríamos todos lá”
Foi o caso de Hugo Manuel Almeida Santos, um homem de 33 anos, cuja casa ficou “totalmente destruída” pelo fogo, e que salvou a si e à sua família fugindo das chamas em uma caminhonete.
“As labaredas batiam muito forte na carrinha [caminhonete], ainda fui contra um pinheiro e andei por valetas”, disse no mesmo hospital onde o pai, de 57 anos e com “pouca mobilidade”, está internado por não ter onde ficar.
“A casa ardeu toda, ficou tudo queimado, fiquei sem nada”, relatou. Ele disse ainda que ninguém sabe explicar como conseguiu se salvar, além de ter salvado o pai, a mulher e a filha de 11 anos..
“Temi pela vida de nós todos, pensei que ficaríamos todos lá“, repetiu, recordando que as chamas “bateram” de forma insistente no veículo, cujo controle sentiu que poderia perder por “várias vezes”.
“Isto não foi um incêndio, foi um furacão de fogo”
Ao contrário de Hugo Santos, Paula Alves insistiu em ficar na sua habitação quando as chamas avançaram. “A morrer, morríamos ao pé do que é nosso”, vinca à Lusa.
Fora de casa e com uma mangueira que jorrava pouca água. Foi assim que Paula enfrentou as chamas que se alastraram até a aldeia onde vive há 17 anos em uma questão de minutos. “Não tínhamos ninguém. Era eu e o meu marido, o meu vizinho e o pai e a mãe dele. Só nós e Deus“, conta.
“Apenas pensei: “meu Deus, nos ajuda porque não temos mais ninguém”“, conta Paula, garantindo que tomou a decisão certa.
Sobre os que fugiram, ela diz que “se tivessem ficado nas suas casas, estavam vivos e as habitações intactas”. Ela recorda ainda que viu um carro passando e batendo contra uma castanheira. “Ficaram todos carbonizados. A fumaça era tanta que nem viam por onde iam”, afirma.
“Estava rezando, todos estávamos”
O britânico Gareth Roberts, de 36 anos, mora em Portugal há quatro e é uma das pessoas que também conseguiu escapar das chamas (por muito pouco), conta a BBC.
“Estávamos chegando de Cadiz, na Espanha, e estávamos a cerca de 50 minutos de casa. Sabíamos que havia um incêndio em curso e conseguíamos ver a fumaça. Parecia muito grave, mas eu não tinha ideia do quanto até termos chegado mais perto”, conta.
“O vento fazia com que os galhos das árvores batessem no nosso carro, mas não podíamos parar – dava para sentir o calor. Acabamos por ficar presos numa aldeia chamada Mó Grande, também cercada pelo fogo. Nós e os locais estávamos chorando, comovidos pelo calor e pela velocidade do fogo. Estava tudo escuro, muito escuro“, recorda.
“Um homem gritou nos oferecendo abrigo em sua casa, onde estava também a sua mãe. Muitos de nós aceitamos. Depois ficamos sem energia e as chamas vieram com tudo, como um tornado feroz e vermelho passando pelas janelas. Nos encolhemos no chão durante uma hora, tentando respirar, rezando, chorando”, lembra.
“Não sou um homem religioso, mas não tenho vergonha de dizer: estava rezando, todos estávamos. Não havia mais nada a fazer. Disse a mim mesmo: ‘não posso morrer assim’. Comecei a chorar, fiquei emocionado. Não consegui fazer nada durante 20 minutos. Até que o fogo passou e saímos para ver os destroços da aldeia, que ainda ardiam em chamas. Milagrosamente, a nossa casa e a casa ao lado não pegaram fogo”, conta.
“Se estas pessoas não tivessem sido generosas, eu não estaria aqui hoje. Agradeci por terem salvado a minha vida. Mas um mero obrigado não é nem de longe o suficiente. Eu podia ter morrido. Devia ter morrido. Um ato aleatório de bondade salvou a minha vida, e agora a única coisa que posso fazer é rezar por Portugal”, conclui.
Temer manifesta solidariedade ao povo português
O presidente Michel Temer se manifestou em sua conta no Twitter sobre o grave incêndio. “Nossa solidariedade ao povo e ao governo de Portugal pela tragédia que é o incêndio em Leiria”, escreveu.
O governo português decretou três dias de luto nacional, até esta terça-feira.
// ZAP