No dia seguinte ao anúncio da nova política de imigração francesa, a RFI entrevistou, nesta quinta-feira a advogada Daniella Moreira de Carvalho, que dá detalhes sobre como medidas afetam a comunidade brasileira na França, assim como os brasileiros que querem vir se instalar no país.
“Com a nova instituição de cotas para trabalhadores, talvez fique mais difícil para os brasileiros que estão aqui se regularizarem, assim como para os brasileiros que estão no Brasil querendo vir para a França. Talvez eles tenham maior dificuldade de obter esta autorização de residência (titre de séjour, em francês), já que haverá uma cota anual”, analisa a advogada, que presta serviços jurídicos gratuitos no Consulado do Brasil em Paris.
Daniella lembra, porém, que em toda a França, das 260.000 autorizações de residência emitidas pelo governo para estrangeiros em 2018, apenas 33.000 foram por motivos profissionais. “São somente 13% do total de imigrantes legais nesta situação”, diz.
“A lista das áreas chamadas ‘em tensão’, ou seja, das áreas em que faltam trabalhadores aqui na França, não é atualizada desde 2008. Então ainda não foram anunciadas as cotas; não sabemos quantas pessoas poderão entrar nem para quais profissões. Sabemos que faltam médicos generalistas, veterinários, pessoas para trabalharem em obras (construção civil), na restauração etc.”, relata.
“Eu sugiro que, assim que esta lista atualizada for lançada, que os brasileiros que tenham vontade de vir para a França ou as pessoas que estão aqui em situação irregular, que elas possam procurar empregos nestas áreas, pois terão mais facilidade de obter a autorização de residência.”
Situação irregular
Daniella conta que, na sua experiência de atendimento à comunidade brasileira na França, via Consulado, 70% das pessoas que a procuram estão em situação irregular na França e pedem informações de como se regularizar.
“Para se regularizar aqui, tem de ter pelo menos três anos de vida comprovada na França e 24 comprovantes de salário que mostrem que a pessoa ganha pelo menos um salário mínimo. O empregador precisa assinar este formulário”, avisa.
Segundo ela, boa parte das pessoas que a procuram têm profissões ligadas às áreas em que a França tem escassez de mão de obra. “A maioria das mulheres faz trabalhos de faxina ou como babá. Os homens trabalham como pedreiros, na construção. Apesar da alta taxa de desemprego na França [8,5% da população economicamente ativa, em agosto de 2019], estas são áreas em que os franceses não querem atuar, então tem um espaço para imigrantes”, explica.
A advogada, no entanto, diz que, a princípio não dá para medir o impacto direto nos brasileiros sem documentos. “Como por enquanto foram anunciados apenas os principais eixos das medidas, mas ainda não as medidas concretas, não temos como avaliar o impacto no dia a dia”, revela.
Atualmente, 150.000 empregos na França estão vagos pela falta de candidatos, e 50% das empresas têm dificuldades para contratar, de acordo com a agência francesa para o emprego.
A escassez de mão de obra afeta especialmente dois tipos de funções: as que exigem poucas qualificações, como construção ou hotelaria, e empregos altamente qualificados ou especializado, como engenheiros de computação ou veterinários.
Para contratar profissionais estrangeiros de fora da União Europeia atualmente, as empresas devem seguir um processo complexo, no qual precisam justificar por que não podem contratar um residente francês ou do bloco.
Além disso, os estrangeiros em situação irregular e aqueles que não receberam status de refugiado poderão usufruir de uma cobertura completa da seguridade social por apenas seis meses, contra 12 atualmente.
Dificultar a entrada no país
Para Daniella, estas medidas são a continuação de um processo que já vem ocorrendo na França de dificultar a entrada no país.
A advogada lembra que, a partir de 2021, os brasileiros terão de preencher um formulário on-line e pagar uma taxa para poder vir para a França (e para os países do espaço Schengen). “Não é um visto, é uma autorização, mas vai aumentar o controle”.
“Isso vai dificultar um pouco o acesso, assim como a renovação desta autorização para aqueles que excedem o prazo de 90 dias dentro de 180 dias em território europeu. Antes, como o registro de entrada era feito com carimbos, bastava trocar de passaporte. Agora, tudo será informatizado, haverá mais controle”, acrescenta.
“É um percurso que está sendo feito para maior controle de imigração e para deter o overstaying, ou seja, aqueles que ficam além dos 90 dias permitidos”, explica.
Expulsão do território francês
Outro ponto importante, segundo ela, é a vontade do governo de colocar em prática a obrigação de deixar o território francês (OQTF), que, apesar de ser emitida em alguns casos, raramente é posta em prática.
“Hoje, as pessoas não são afastadas do território francês na prática. Depois de um ano, esta decisão perde a validade. E muitos continuam na França”, revela.
“Hoje, as pessoas que são pegas em situação irregular e são expulsas da França, se não são detidas, acabam ficando em território francês esperando a obrigação expirar. O governo vai endurecer esta política e planeja abrir mais três centros de retenção de estrangeiros, porque este é o método mais fácil de controle”, explica a advogada.
No site do governo francês, tem a explicação sobre como esta obrigação funciona hoje: “A decisão [de emissão da OQTF] é tomada pela Secretaria de Segurança Pública, especialmente em caso de recusa de autorização de residência ou permanência ilegal na França”.
O Consulado do Brasil em Paris não tem como precisar quantos brasileiros vivem atualmente na França, já que muitos têm dupla cidadania, e os números oficiais tampouco incluem os cidadãos brasileiros em situação migratória irregular.
“O Ministério das Relações Exteriores estima que dos mais de 2 milhões de brasileiros que atualmente residem no exterior cerca de 60.000 viveriam na França”, diz o site do Consulado.
// RFI