Os geoglifos do Acre eram um espaço de comunicação espiritual e de ritual com a natureza, afirma uma equipe de cientistas da Universidade de Helsinki, na Finlândia, e da USP.
Esses enormes desenhos geométricos na terra foram descobertos na Amazônia brasileira em 1977. Mas o desmatamento e estudos posteriores no terreno identificaram cerca de 500 somente no Acre, próximo à fronteira com a Bolívia.
Os desenhos no solo exibem diferentes formatos. São quadrados, círculos, elipses, octógonos ou “Us” e podem ter até quatro metros de profundidade.
“Combinando dados etnográficos e arqueológicos do Alto Purus, Brasil, o artigo mostra como a história antiga e a sociocosmologia estão profundamente ‘escritas’ na paisagem na forma de estruturas geométricas de terra trinchadas no solo, que materializam interações entre atores não humanos e humanos”, escreveram Sanna Saunaluoma, pesquisadora da USP, e Pirjo Virtanen, da Universidade de Helsinki, no resumo do artigo que publicaram na revista acadêmica American Anthropologist.
“Salientamos as habilidades humanas de visualização, práticas imaginativas e movimentos como os meios de promover relações bem equilibradas com formas de vida animadas.”
Especialistas que estudam esse tipo de padrão acreditam que as tribos indígenas do Amazonas fizeram esses desenhos entre os anos 3.000 a.C. e 1.000 d.C.
Desvendando o mistério
Até agora, o motivo dessas formações permanecia um mistério, alimentando todo tipo de teoria. Já houve quem dissesse que eram assentamentos, aldeias, construções defensivas ou mesmo que eles haviam sido feitos por extraterrestres, como já foi dito no caso dos geoglifos de Nasca, no Peru.
Mas esse novo estudo comandado por pesquisadores brasileiros e finlandeses traz uma interpretação alternativa. “Esses recursos de paisagem antropogênica funcionavam como dispositivos sistêmicos para se envolver e viajar dentro do mundo das entidades invisíveis, por um lado; e, de outro, mantinham os sentimentos de unidade, continuidade e pertencimento ao lugar no mundo dos humanos”, diz o artigo.
A pesquisa indica que os geoglifos não eram usados por todos, mas apenas pelos indivíduos das comunidades especializadas em rituais ou interações com seres vivos além dos humanos.
Segundo o estudo, também eram importantes para as comunidades indígenas em certas etapas da vida – “as variedades dos padrões geométricos eram usados como portas ou caminhos para atingir conhecimento de elementos distintos do entorno que os rodeava”.
De acordo com as especialistas em antropologia ancestral, a visualização e interação ativa com elementos vivos da natureza era importante e construtiva para as comunidades indígenas.
Inspiração animal
A razão pela qual os desenhos respondem a padrões geométricos específicos ainda não está clara. Para as pesquisadoras, há inspiração em desenhos e formas encontradas em peles de animais. Esses padrões também são observados nos dias de hoje em cerâmicas, tecidos e joias confeccionados pelos indígenas modernos.
Ainda de acordo com as teorias de arte visual, acredita-se que os padrões geométricos podem ajudar as pessoas com fertilidade, resistência, conhecimento e poder.
Até hoje índios de tribos no Acre continuam protegendo esses lugares. Ao contrário de outros moradores da região, evitam usar esse espaço para atividades que consideram mundanas, como agricultura e moradia.
Esse comportamento, assinalam as pesquisadoras, reforçam ainda mais a ideia de origem sagrada dos desenhos.
Os desenhos do Acre estão numa lista para serem declarados Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco. Mas existem outros lugares com padrões geométricos milenares.
A América Latina é um grande foco dessas formações ancestrais, segundo registros oficiais. Alguns dos mais conhecidos são as linhas de Nasca, localizadas a 400 quilômetros ao sul de Lima, capital do Peru.
Há também os geoglifos de Chug-Chug, no deserto chileno do Atacama, que concentram uma elevada concentração de desenhos geométricos no chão que, ao que tudo indica, são muito mais antigos. Fora da América do Sul, os mais famosos estão nos Estados Unidos, Reino Unido e Austrália.
Ciberia // BBC