Enquanto o Reino Unido se prepara para uma saída turbulenta da UE, algumas pessoas já começaram a encher seus armários como precaução contra o pior dos cenários: falta de alimentos e remédios.
Nick Thomas, um operador de resíduos perigosos de 25 anos, natural da Cornualha, insiste que o Brexit correrá bem. Provavelmente. “Se a opção ‘sem acordo’ correr mal, haverá revoltas nas ruas e saques; uma agitação nacional. Se as pessoas não puderem comer, elas vão se erguer e lutar. Mas não creio que isso vá acontecer – esse seria o pior dos cenários.”
O britânico que votou para deixar a União Europeia devido aos efeitos adversos da Política Comum de Pescas do bloco em sua área local, não descarta a possibilidade de as coisas darem errado. Ele se abasteceu com uma quantidade substancial de produtos secos – arroz e macarrão, principalmente –, bem como feijão e vegetais em lata.
“O fator principal é a cadeia de abastecimento alimentar“, afirma. “Uns amigos meus fizeram o mesmo, compraram sacos grandes de arroz e macarrão, latas de alimentos de longa duração. Mas somos todos da mesma opinião de que não há nada, realmente, com o que se preocupar.”
E continua: “Espero, óbvio, que tudo corra bem e que tenhamos algum tipo de acordo. Mas quem falha em se preparar, se prepara para falhar. Tenho meus receios. Seria errado não tê-los, em caso de não haver acordo. Prefiro ter comida e não precisar do que precisar dela e não ter. Ela simplesmente está lá nos fundos como um backup e, se nada acontecer, parece que temos arroz e feijão para os próximos três anos.”
Thomas não está sozinho. O grupo do Facebook “48% Preppers”, em alusão ao movimento de “preparadores” ou “sobrevivencialistas”, tem quase 8 mil membros, e outros grupos semelhantes também contam com milhares de associados. À medida que o acordo de retirada é discutido no Parlamento do Reino Unido, crescem as preocupações sobre a saída da UE, em 29 de março, sem acordo nenhum.
Uma suspensão súbita de acordos alfandegários de longa data poderia significar portos bloqueados, caminhões presos em rodovias, ou balsas com mercadorias estragadas e escassez de alimentos e remédios nos supermercados e farmácias britânicas.
O Departamento de Saúde assinou dois contratos de espaço para armazenamento de medicamentos em caso de um Brexit sem acordo, e busca atualmente mais um armazém. Os principais supermercados, inclusive os grandes Tesco e Marks and Spencer, estão estocando comida enlatada, e o governo alertou que alimentos frescos podem faltar.
Muito antes do referendo do Brexit, Thomas já tinha interesse no assim chamado sobrevivencialismo e leu muito a respeito. “Eu diria que estou mais em preparativos para o dia do juízo final. O Brexit é apenas o começo.” Porém outros que nunca se identificaram como preparadores nem sobrevivencialistas também procuram se preparar.
Elizabeth, consultora de relações públicas baseada em Londres que pediu para ser identificada apenas pelo primeiro nome, tem enchido seus armários com alimentos secos e nutritivos, tais como lentilha, arroz, tomate e atum enlatados, além de ingredientes como mel, mostarda e temperos.
“É uma daquelas coisas em que se ouve a palavra ‘estocagem’ e soa uma maluquice total, mas qualquer um que der uma lida sobre nossas cadeias de suprimentos, o quanto nós importamos e como tudo está totalmente interligado com a Europa, não tem como não se preocupar.”
“Não que eu ache que vamos todos passar fome, mas posso imaginar uma situação em que se vai a um supermercado e certos produtos básicos não estão disponíveis ou são muito mais difíceis de conseguir, e eu gostaria de ter certeza de que eu e minha família não temos que nos preocupar com o que vamos comer.”
Ela, que votou para permanecer na UE, também tem estocado suprimentos para sua gata. “Pegamos uma gatinha este ano e não quero ficar numa situação de não ter o alimento certo para ela e lhe causar problemas duradouros de saúde.”
A cadeia para animais de estimação Pet Home anunciou que considera gastar 8 milhões de libras esterlinas (cerca de 38 milhões de reais) na estocagem de produtos, incluindo alimentos, no caso de não haver acordo.
Elizabeth cogita fazer um suprimento de comprimidos anti-histamínicos para a filha que sofre de rinite alérgica severa. “O médico diz que não pode nos dar receitas extras, então talvez eu pegue algumas sem prescrições, mesmo, como uma espécie de backup.”
À medida que o 29 de março se aproxima, com poucos sinais de mudança no impasse contínuo no Parlamento, a ideia de se preparar para o Brexit tem ganhado força.
O site satírico BrexitPrepping.com diz o que os britânicos aflitos devem comprar para se preparar, e fornece listas de compras de acordo com o grau de preocupação dos usuários. O estoque de uma semana custa em torno de 111 libras, a lista para o mês sai por 459 libras.
Na Cornualha, apesar de estar estocando comida, por enquanto Thomas espera pelo melhor. “Pode ser que haja alguma retaliação da UE, se assegurando que as fronteiras e os acordos alfandegários sejam realmente rígidos, já que optamos por sair. Mas tenho a sensação de que haverá uma pequena defasagem, os preços vão subir um pouco e a coisa toda vai acabar dentro de uma semana.”