Rejeição à França aumenta no mundo islâmico

Stephane Mahe / EPA

O presidente francês, Emmanuel Macron

Após governo Macron sair em defesa do secularismo e iniciar ofensiva contra o islã radical, líderes como o presidente turco Erdogan passam a insuflar suas populações como forma de distração de problemas internos.

Na esteira do assassinato do professor francês Samuel Paty, morto após mostrar aos alunos caricaturas do Profeta Maomé em uma aula sobre liberdade de expressão, as autoridades francesas lançaram uma ofensiva contra o islã radical, com operações de busca em várias propriedades e até o fechamento de uma mesquita.

O presidente francês, Emmanuel Macron, prometeu combater o “separatismo islamista” e proteger os valores seculares e princípios da França. As reações contra seus comentários em várias partes do mundo muçulmano acabaram se tornando cada vez mais fortes.

Turquia

O economista turco Uğur Gürses afirmou à DW que não chega a ser surpreendente que o presidente Recep Tayyip Erdogan agrave as tensões como o Ocidente. Uma das razões, explicou, é o fato de Erdogan não ter enfrentado os problemas econômicos do país, que aumentaram em meio à pandemia de covid-19.

“Pesquisas demonstram o declínio significativo do apoio a partido governista e seus aliados. Erdogan sabe que se a Europa ou os Estados Unidos impuserem sanções à Turquia, ele terá mais votos. Esse é o motivo pelo qual ele trava uma luta contra Macron e Trump“, avalia o economista.

Ilhan Uzgel, professor de Relações Internacionais da Universidade de Ancara, concorda que a maior preocupação de Erdogan é manter o apoio de seus eleitores.

“Erdogan é incapaz de produzir políticas que possam salvar a economia turca. Ninguém está surpreso que ele tenha convocado a população a boicotar produtos franceses. Ele não se importa de modo algum se transmite uma imagem de ‘beligerante’ ou não. O que importa para ele agora é somente assegurar o apoio dos eleitores“, diz o professor.

Paquistão

O primeiro-ministro paquistanês, Imran Khan, expressou sua insatisfação com os comentários do presidente francês ao dizer que “o ataque verbal bem planejado de Macron ao Islã fere centenas de milhões de muçulmanos em todo o mundo”.

Os tweets de Khan foram feitos em inglês e em urdu (idioma nacional paquistanês), o que deixa clara uma tentativa aproximar as massas desse tema. Muitos no país também estão infelizes com o que Macron tem dito, ainda que não entendam completamente a profundidade e o contexto dessa questão.

As relações políticas e econômicas entre o Paquistão e a Turquia, historicamente próximas, fazem que Ancara sempre seja vista como a aliada mais próxima e confiável dos paquistaneses na comunidade internacional.

No Paquistão, Erdogan é considerado por muitos como o líder do mundo muçulmano. Para muitas pessoas, ele é mais importante do que o rei da Arábia Saudita, o guardião dos dois locais mais sagrados do Islã, Meca e Medina.

A Turquia também trabalha há décadas no Paquistão em diversos projetos multimilionários de desenvolvimento e infraestrutura.

Mundo árabe

Os comentários de Macron repercutiram negativamente em diversas nações árabes, inclusive entre atores políticos próximos a Erdogan e a extremista Irmandade Muçulmana.

Na Jordânia, um porta-voz da ramificação local da Irmandade Muçulmana condenou as falas de Macron como um “ataque contra a nação islâmica”, enquanto o Ministério do Exterior do país afirmou que a publicação de caricaturas de Maomé feriu os sentimentos de muitos muçulmanos.

Na Líbia, o membro do Conselho Presidencial Mohammed Zayed descreveu os comentários do presidente francês como “alegações perniciosas”. Neste caso, o pano de fundo é o fato de o Conselho ser liderado pelo primeiro-ministro Fayez Sarraj, cujo governo é fundamentado no apoio dos partidos islamistas.

Além disso, os ataques a Macron são vistos como um gesto de solidariedade a Erdogan, cujo governo fornece apoio político e militar ao governo reconhecido pela ONU liderado por Sarraj, em Trípoli, no conflito com Khalifa Haftar, que controla boa parte do leste e sul da Líbia.

O Catar é outro aliado próximo de Erdogan. A nação do Golfo é tida como um dos maiores financiadores da Irmandade Muçulmana e suas ramificações religiosas. Lá, assim como no Kwait e na Jordânia, os produtos franceses foram retirados de vários supermercados.

Até o momento, a Arábia Saudita se mantém relutante ao aderir às críticas. A onda de protestos pró-Turquia através da região coloca o regime saudita, assim como o do Egito, em situação delicada, enquanto tentam se equilibrar entre a oposição a Erdogan e a Irmandade Muçulmana e o aumento da insatisfação popular nas ruas e nas redes sociais.

Há semanas a Arábia Saudita realiza uma campanha de boicote aos produtos turcos, de modo a se contrapor à influência de Ancara e suas tentativas de usurpar o poder e a liderança saudita no mundo islâmico.

França

Enquanto isso, Macron permanece irredutível em sua defesa dos valores franceses como a liberdade de expressão e o secularismo, que impõe uma rígida separação entre a religião e as instituições governamentais.

As medidas que ele anunciou, como a repressão ao discurso de ódio e o fechamento de organizações que abrigam islamistas radicais, são apoiadas pela maioria da população, segundo uma pesquisa recente.

Macron claramente tenta angariar o apoio conservador, já pensando nas eleições presidenciais em 2022. Mas ainda nos está claro se sua estratégia de aliciar esses eleitores dará certo.

Como disse certa vez Jean-Marie Le Pen, fundador do partido populista de direita Frente Nacional – agora renomeado como Reagrupamento Nacional: “os franceses sempre vão preferir o original a uma cópia.”

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