Um ano após primeira morte na China, origens do coronavírus permanecem misteriosas

Roman Pilipey / EPA

Há um ano, em 11 de janeiro de 2020, a China anunciava a primeira morte oficialmente registrada pelo novo coronavírus, ocorrida dois dias antes no país. Desde então, as origens precisas do vírus permanecem desconhecidas da ciência, embora diferentes vacinas já tenham sido desenvolvidas para combater o Sars-Cov-2.

A primeira vítima, cujo nome até hoje não foi divulgado pelas autoridades chinesas, foi um homem de 61 anos que costumava frequentar o mercado de Wuhan. Depois dele, mais de 1,9 milhão de pessoas já morreram de Covid-19, mas a politização da epidemia, incluindo a opacidade do regime comunista chinês, afastam as chances de um dia o surgimento do vírus ser totalmente esclarecido.

Não é novidade para ninguém – a disseminação da Covid-19 começou em Wuhan, metrópole de 11 milhões de habitantes no centro do país. Também se sabe que os contágios se iniciaram mais de um mês antes no mercado onde eram vendidos animais selvagens vivos – porém, não necessariamente o vírus foi originado ali.

“Não é plausível. O vírus apareceu naturalmente vários meses antes, talvez um ano antes ou até mais”, explica o epidemiologista Daniel Lucey, da Georgetown University, de Washington, ressaltando que é necessário muito tempo para um vírus mutar o suficiente para se tornar altamente contagioso.

Para o especialista, portanto, o fato de que Sars-COV-2 já era muito contagioso quando foi identificado pela primeira vez, em dezembro de 2019, indica que ele já circulava há bem mais tempo.

Pequim alega que vírus já existia

O problema é que, para se isentar das responsabilidades sobre o aparecimento de uma doença potencialmente mortal, as autoridades chinesas insistem que a epidemia teria sido introduzida no país por estrangeiros. Pequim ressalta que traços do vírus já tinham sido descobertos na Itália e no Brasil antes do seu aparecimento em Wuhan. Entretanto, essa teoria é impossível de ser comprovada, alegam cientistas.

As autoridades chinesas também decidem ignorar deliberadamente que alguns dos primeiros pacientes da Covid-19, que só puderam ser confirmados posteriormente, surgiram em outras partes do país e não tiveram nenhuma relação com Wuhan.

A cidade, e depois toda a província de Hubei, foram designados como o local de origem da epidemia e colocados em uma rígida quarentena – uma medida que, aos olhos da população e do resto do mundo, demonstrava rapidez de reação, ao impor isolamento a uma população de 50 milhões de habitantes.

O papel puramente científico da China foi saudado incialmente pela comunidade internacional, já que o país compartilhou rapidamente o genoma do coronavírus, em contraste com a opaca gestão da epidemia de Sars nos anos 2002 e 2003. O problema é que, com o caos instalado em Wuhan, traços do vírus podem ter sido perdidos ou deslocados, complicando ainda mais o quebra-cabeça.

Animais selvagens

Em março de 2020, o discurso começou a mudar: o chefe dos serviços epidemiológicos chineses, Gao Fu, explicou que o mercado de Wuhan não era a fonte, mas sim a “vítima” do vírus, enquanto Pequim cessou de fornecer explicações para o aparecimento da epidemia e afastou, cada vez mais, os observadores internacionais da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Os especialistas concordam que o vírus vem dos morcegos, mas ignoram que animal serviu de vetor para transmiti-lo aos humanos.

“Estou certo de que acabaremos encontrando a espécie de morcego que o transmitiu, assim como a via provável de contaminação”, afirma Peter Daszak, presidente da EcoHealth Alliance, uma associação americana especialista na prevenção de doenças. “Jamais teremos uma certeza absoluta, mas teremos, certamente, provas sólidas”, conclui.

Para Diana Bell, a descoberta da espécie-vetor é secundária. “A fonte importa pouco: é preciso simplesmente colocar um fim a essa mistura bizarra de animais nos mercados. É preciso proibir o comércio de animais selvagens para alimentação”, explica.

Trump e o “vírus chinês”

Politicamente, o regime do presidente Xi Jinping foi criticado por ter ignorado os primeiros alertas dos médicos do aparecimento de um novo coronavírus, no fim de dezembro de 2019. Um deles, Li Wenliang, foi acusado pela polícia chinesa de “propagar rumores”, antes de morrer, de Covid-19, em fevereiro de 2020. A morte dele suscitou fortes reações contra o governo chinês nas redes sociais.

Para completar, as críticas internacionais só acentuaram a postura refratária do regime e a opacidade dos conhecimentos posteriores sobre o vírus, avalia Peter Daszak.

O presidente americano, Donald Trump, logo apelidou a doença de “vírus chinês” e sugeriu que o coronavírus possa ter “escapado” de um laboratório de virologia de Wuhan – uma hipótese que foi descartada pela comunidade científica mundial.

Com a epidemia oficialmente controlada desde junho, Pequim agora se apresenta como salvadora da humanidade, ao oferecer a sua vacina para os países mais pobres e chamando-a de “bem público mundial”.

// RFI

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