A Europa está em pânico em meio ao segundo surto de covid-19, com taxas de contágio explodindo e os PIBs despencando. A Bélgica acaba de anunciar que não mais testará cidadãos assintomáticos, mesmo que tenham tido contato com um portador da doença, pois o acúmulo de amostras a processar é esmagador. Outros países europeus estão igualmente se debatendo para manter em dia sua testagem e rastreamento.
Enquanto isso, numa pequena cabine no aeroporto da capital da Finlândia, Helsinque, o cão farejador Kossi só precisa de alguns segundos para alertar se alguém está contaminado com o Sars-Cov-2. Tudo em troca de seu pagamento preferido: um bocado de comida de gato.
Se dependesse de Kossi e seus colegas, multidões de potenciais portadores do vírus seriam triadas numa fração do tempo e do custo, e sem o desconforto físico envolvido no atual teste com cotonete nasal, baseado no método de reação em cadeia da polimerase (RCP).
Após farejar um pano esfregado num punho ou pescoço, um cão treinado é capaz de identificar imediatamente se o indivíduo em questão contraiu o novo coronavírus, até cinco dias antes do aparecimento de qualquer sintoma que implicaria uma quarentena.
“Um cachorro poderia facilmente salvar tantas, tantas vidas”, comenta a pesquisadora de veterinária Anna Hielm-Björkman, da Universidade de Helsinque, acrescentando que seu teste tem uma precisão de quase 100%.
Foi dela a ideia original de conferir se Kossi conseguiria redirecionar seus talentos de farejador de doenças, assim que o novo vírus começou a se alastrar na Europa. Até então treinado para detectar mofo, percevejos e câncer, “ele só levou sete minutos para compreender: ‘OK, é isso que vocês querem que eu procure'”. O fato “nos deixou completamente de queixo caído”, conta a pesquisadora.
Também uma questão de custos
Susanna Paavilainen, diretora executiva da fundação de detecção olfativa Wise Nose, imediatamente começou a retreinar seus cães para encontrar o coronavírus. Oito anos antes, ela salvara Kossi de ser sacrificado num abrigo canino da Espanha.
Miina, que monitorava através do olfato os níveis de açúcar no sangue de uma menina, rapidamente aderiu, sendo seguida por dois outros animais. Ao todo, a fundação pretende treinar 15 cães numa primeira fase.
Hielm-Björkman reconhece que, após ter descoberto essas novas aptidões, o procedimento acadêmico padrão teria sido testar, publicar e obter revisões independentes (peer review). No entanto, seu primeiro instinto foi colocar os cachorros em ação. Pois os pesquisadores que estão publicando “não estão nos aeroportos”, comenta com ironia.
Para isso, contudo, era necessário permissão e, idealmente, algum financiamento. O vice-prefeito da cidade de Vantaa, Timo Aronkytö, que também é responsável pela segurança do aeroporto, percebeu a vantagem imediatamente: “Só precisei de dois minutos”, diz ele.
No entanto suas opções de patrocínio se limitavam a cerca de 330 mil euros, no total, para o projeto piloto de quatro meses, visando provar que os resultados da avaliação canina eram pelo menos tão precisos quanto os do teste de RCP. Assim, todos os voluntários que testam positivo na cabine de Kossi devem se dirigir à unidade médica para confirmação.
O interesse de Aronkytö, como médico formado, é tanto em saúde quanto em finanças. “Nossa testagem nos aeroportos custa mais de 1 milhão de euros por mês, no momento”, e ele prevê que, no inverno, a cifra chegará aos 3 milhões de euros mensais. “Estes cachorros são muito mais baratos”, frisa.
Ele está otimista de que o apoio crescerá à medida que se acumulem os dados sobre o projeto piloto. E revela que já se está trabalhando para mudar a legislação finlandesa, a fim de conferir aos cães farejadores a mesma “autoridade” que têm seus colegas na alfândega.
O vice-prefeito prevê até que, no futuro próximo, um mesmo animal desempenhe ambas as funções. Ele pretende manter o atual nível de financiamento municipal até 2021. Isso, porém, não inclui o treinamento de novos animais, nem a expansão da capacidade para além dos quatro que no momento se alternam no aeroporto – embora os níveis de contágios cresçam.
Pouco interesse oficial
De estranhar é o governo finlandês até agora não ter manifestado disposição em assumir o programa, apesar da enorme publicidade e, como enfatizam Hielm-Björkman e Paavilainen, interesse de outros países.
Os passageiros têm se disposto a esperar em fila até uma hora, por vezes, só para participar. A embaixadora da Finlândia em Ramallah, Paivi Peltokoski, louvou recentemente a experiência após uma viagem, mas seu entusiasmo não foi bastante contagioso.
“Se o governo já visse isto como algo em que acredita”, a visão de Hielm-Björkman incluiria treinar centenas de farejadores e postá-los em salas de concertos, estádios esportivos ou lares para idosos.
Em sua opinião, é preciso haver uma “mudança de paradigma”, tanto entre os profissionais da medicina como entre o público. Pois normalmente são os médicos que dizem aos pacientes que eles estão doentes, e “aqui é um treinador de cães”, explica.
Essa situação não se limita à Finlândia. Também na Alemanha, pesquisadores anunciaram resultados promissores com cães como detectores de covid-19, porém até agora eles não foram empregados em parte alguma.
Segundo o professor Holger Volk, da Universidade de Medicina Veterinária de Hannover, não tem havido nem vontade política nem verbas para levar o projeto adiante – fato que ele considera “muito preocupante”, sobretudo em face do aumento dos contágios.
“Quando começamos todo este projeto, foi porque queríamos ajudar a combater a pandemia. Tem sido uma jornada muito frustrante, encontrei muitos negadores, no processo todo. Se não fosse uma pessoa determinada, que já fez muitas pesquisas, eu provavelmente teria parado.”
Ele endossa a avaliação de Anna Hielm-Björkman de que “os médicos simplesmente não conseguem conceber que cachorros possam fazer esse trabalho de precisão”. Ao mesmo tempo, Volk ecoa a fé que ela mostra por sua descoberta: “Se você tivesse um cachorro para farejar todo dia seu quadro de funcionários, pense no impacto: você ia poder continuar com o seu negócio.”
Por falar em locais de trabalho, Susanna Paavilainen está começando a considerar que, caso a Finlândia não esteja disposta a aproveitar o potencial canino, ela e Kossi podem aceitar alguma das muitas ofertas, de todo o mundo, para prover treinamento. “Podemos nos mudar, porque Kossi gosta de clima quente”, brinca, afagando seu astro farejador.