O conceito de raça é uma mentira

Para combater o aumento do racismo, há dois aspectos principais a serem considerados. O primeiro é que a própria ideia de “raça” é uma mentira.

Em muitos aspectos, atitudes racistas têm visto um aumento em diversos países nos últimos anos, incluindo Hungria, Alemanha, Mianmar, Índia, EUA e Brasil, para não mencionar as horrorosas matanças na Nova Zelândia e no Sri Lanka.

Nos Estados Unidos, em 2017, os crimes de ódio aumentaram pelo terceiro ano consecutivo. Vale mencionar que o próprio presidente do país, Donald Trump, já fez afirmações do tipo “mexicanos são traficantes e estupradores” e “alguns neonazistas são pessoas muito boas”.

No Brasil, um levantamento da ONG SaferNet apontou um aumento significativo no número de denúncias de discurso de ódio ou intolerância na internet durante período entre o primeiro e o segundo turno das eleições de 2018. As denúncias com teor de xenofobia cresceram 2.369,5%, de apologia e incitação a crimes contra a vida, 630,52%, de neonazismo, 548,4%, de homofobia, 350,2%, de racismo, 218,2%, e de intolerância religiosa, 145,13%.

Para combater esse aumento do racismo, há dois aspectos principais a serem considerados. O primeiro é que a própria ideia de “raça” é uma mentira.

E o segundo é que usar essa palavra, mesmo que for para criticá-la, reforça a falsa crença de que os seres humanos pertencem a grupos fundamentalmente diferentes. Isso porque, quanto mais uma palavra é usada, mais certos circuitos cerebrais são ativados e mais forte se torna a metáfora, conforme explica o cientista cognitivo George Lakoff.

De acordo com a Sociedade Americana de Genética Humana, a maior organização profissional de cientistas da área, “a ciência da genética demonstra que os seres humanos não podem ser divididos em subcategorias biologicamente distintas”, o que “desafia o conceito tradicional de diferentes raças humanas como biologicamente separadas e distintas”.

Em outras palavras, a raça em si é uma construção social, sem base biológica.

Em 2014, mais de 130 geneticistas condenaram a ideia de que genes respondem pela diversidade econômica, política, social e comportamental em todo o mundo. Hoje em dia, há um amplo consenso científico de que, quando se trata de genes, há tanta diversidade dentro de grupos étnicos quanto entre eles.

O Projeto Genoma Humano também confirmou que os genomas encontrados em todo o mundo são 99,9% idênticos em todas as pessoas. Assim, a própria ideia de diferentes “raças” é um disparate.

É claro que existem pequenas diferenças entre vários grupos étnicos – diferenças comportamentais, físicas, linguísticas e assim por diante. A maioria dessas diferenças se deve à cultura e às experiências de cada um, não a qualquer diferença genética.

Como Albert Einstein pontuou uma vez, a personalidade de um indivíduo é em grande parte formada pelo ambiente em que ele cresce, pela estrutura da sociedade em que vive, pelas tradições dessa sociedade e por sua avaliação de tipos particulares de comportamento.

Tanto é assim que a própria ideia tola de que a humanidade poderia ser dividida em quatro ou cinco (ou quantos forem) grupos raciais é relativamente nova.

Os gregos antigos, por exemplo, nunca pensaram em si mesmos como “brancos”. Tal divisão ao longo de linhas raciais que vai do “branco” ao “preto” é provavelmente uma estranha aberração do mundo ocidental moderno, um produto de muitas forças históricas diferentes, em particular o tráfico transatlântico de escravos e os aspectos mais cruéis da teoria racial do século XIX.

A verdade é que as lendas gregas retratam seus heróis como sendo de origem multiétnica. O egípcio Dânao tornou-se rei de Argos, e sua filha, Hipermestra, é a ancestral do maior de todos os heróis gregos, Hércules. Perseu, que matou a Medusa Górgona, casou-se com uma etíope, Andrômeda, e seus filhos estabeleceram o mais poderoso de todos os reinos gregos da Idade do Bronze, Micenas.

Outro exemplo dessa perspectiva não racial é encontrado nas Histórias de Heródoto, que, no século V aC, escreveu que o propósito de seu livro era “preservar a fama das realizações importantes e notáveis ​​produzidas por gregos e não gregos”. O chamado “Pai da História” também disse que os etíopes eram “considerados os mais altos e mais bonitos de todos os povos”.

Este retrato dos africanos não é uma exceção. O historiador Peter Farb observou em seu livro “Humankind” (1978) que “a arte, a literatura e a mitologia gregas frequentemente retratam as pessoas de pele escura com respeito”.

Somos todos África

É importante ressalvar ainda que todos os humanos modernos tiveram origem na África. A nossa espécie evoluiu no continente e depois migrou para o resto do mundo.

Além disso, a pesquisa do estatístico Joseph Chang, da Universidade Yale (EUA), descobriu que o ancestral comum mais recente de todos os que vivem atualmente andou pela Terra há meros 3.600 anos.

“Nossas descobertas sugerem uma proposta notável: não importa que língua você fale ou qual seja a cor de sua pele, você compartilha ancestrais que plantaram arroz nas margens do Yangtze, que primeiro domesticaram cavalos nas estepes da Ucrânia, que caçaram preguiças gigantes nas florestas da América do Norte e do Sul, e que trabalharam para construir a Grande Pirâmide de Khufu”, resume.

O ônus da prova agora está com aqueles que se apegam à noção de que existem coisas como “raças”.

Eles teriam que primeiro fornecer uma definição científica, baseada em diferenças significativas nos genomas humanos, do que “raça” significa. Depois, teriam que demonstrar claramente que existem diferenças suficientes entre vários grupos étnicos para justificar a divisão de pessoas em “raças” separadas. Boa sorte – essa é uma tarefa impossível.

Em última análise, são nossas experiências e nossa cultura, não nosso DNA, que respondem pela maioria de nossas diferenças.

E, com uma Terra sendo destruída por praticamente todos os seres humanos, deveríamos parar de nos concentrar nas nossas pequenas diferenças individuais para focar no que todos nós temos em comum: nosso lar.

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