Há cinco semanas, manchas de óleo começaram a atingir a costa brasileira. O vazamento chegou aos nove estados do Nordeste, afetando 138 praias da região. Um relatório divulgado recentemente pela Petrobras concluiu que o material encontrado nas praias é uma mistura de óleos da Venezuela e que não é produzido, transportado ou comercializado pela estatal brasileira.
No entanto, ainda é incerto como o vazamento ocorreu. “É muito cedo ainda para dizer quem é o responsável”, avaliou o cientista político Oliver Stuenkel, da FGV. “Nem mesmo o governo brasileiro sabe exatamente como isso aconteceu. Mas é incrível quanto tempo leva [para se descobrir os responsáveis], já que o problema é claramente visível há algumas semanas.”
Thiago Almeida, porta-voz do Greenpeace para assuntos de clima e energia, afirmou que independentemente de o óleo vir da Venezuela ou não, é preciso ter em mente os impactos negativos. “E a demora por uma resposta efetiva assusta muito”, acrescentou. Ele diz que causa ainda surpresa o fato de o governo não ter reagido de forma mais rápida.
“Isso é uma pergunta que o governo tem que responder, pois ele levou mais de um mês para tomar providências. Como vai ser num caso de derramamento de petróleo?“, pergunta Almeida. “Isso mostra como é falha a fiscalização e o trabalho de combate à poluição e ao derramamento de petróleo no Brasil. E isso só tende a piorar com essa agenda antiambiental do governo brasileiro.”
Adriano Pires, diretor-fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), afirmou que “tem que ser checado como vazou tudo isso“. “Meu palpite é que, pelo volume de petróleo que está nas praias, ocorreu vazamento em algum navio que saiu carregado de óleo da Venezuela em direção à Ásia. Você tem uma ‘avenida’ em frente ao Nordeste onde esses navios passam. Só tenho essa hipótese”, frisou. Pires descarta um vazamento numa plataforma da Venezuela por não haver manchas de óleo na costa norte da América do Sul.
O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, apontou três possibilidades como origem do petróleo: um despejo criminoso, a possibilidade de um navio ter naufragado e um acidente durante a passagem de petróleo de uma embarcação para a outra em alto-mar. Devido à quantidade de óleo – até o momento, 133 toneladas foram removidas das praias – descartou-se como causa a limpeza de tanques de um navio.
Especialistas avaliam que, pelas correntezas, o vazamento se deu a 40 ou 50 quilômetros da costa brasileira, entre os estados de Pernambuco e Paraíba. Cerca de 140 navios passaram pela rota no período em questão, informou a Marinha brasileira. Este caso mostra como é difícil controlar a situação em alto-mar. Para Stuenkel, “o controle sobre essas áreas ainda é muito fraca e, por isso, é provável que não seja possível descobrir exatamente como isso aconteceu”.
As primeiras manchas apareceram no início de setembro em praias pernambucanas. A Petrobras descartou qualquer envolvimento com as manchas. Em agosto, um vazamento na Refinaria Abreu e Lima, localizada eim Ipojuca, ao sul de Recife, poluiu 4,5 hectares de costa. Pouco depois, as primeiras manchas apareceram justamente numa região próxima à refinaria. Na época, a Petrobras declarou que o óleo vazado em Abreu e Lima não atingiu o mar e que o petróleo vindo de perfurações brasileiras teria uma consistência diferente das manchas vistas nas praias nordestinas.
A Refinaria Abreu e Lima foi projetada para ser uma joint venture entre a Petrobras e a PDVSA, a estatal venezuelana. Mas, como a PDVSA não pagou sua parte prometida, a parceria não avançou. Existe a possibilidade de Abreu e Lima processar, mesmo assim, petróleo venezuelano? “Quem pode falar isso é só a Petrobras”, contou Pires. “Em algum momento, ela vai ter que falar, pois se essa coisa continua andando para frente procurando culpados, ela vai ter que falar.”
Thiago Almeida também considera difícil controlar o derramamento de petróleo. “Uma das questões deste caso é que não se trata de uma mancha de petróleo específica que você pode cercar com boias e conter. Estamos vendo manchas de petróleo aparecendo em diversas praias, praticamente na costa inteira do Nordeste.”
Sem saber exatamente a origem, também é difícil estimar a extensão do derramamento de óleo. “Como não se conhece a fonte, a quantidade e quando realmente começou [o derrame], não há como saber para onde as correntes ainda vão levar o óleo e quanto petróleo ainda está por vir.”
O presidente Jair Bolsonaro declarou na segunda-feira que tinha “no radar” um determinado país. Na terça, ele acrescentou: “Eu não posso acusar um país, vai que não é aquele país. Não quero criar problemas com outros países. É reservado.” No momento, as relações entre Brasil e Venezuela estão tensas. Portanto, é questionável como o Brasil reagiria se a Venezuela for claramente culpada pelo desastre ambiental.
Apesar das sanções dos EUA, a Venezuela continua exportando seu petróleo, lembrou Stuenkel. No entanto, o governo em Caracas não pode ser automaticamente responsabilizado por eventuais acidentes, uma vez que o petróleo venezuelano não é transportado apenas por navios do país. Além disso, a indústria petrolífera da Venezuela está enfrentando grandes problemas estruturais devido à crise econômica, acrescentou.
“As instalações petrolíferas na Venezuela não estão mais sendo modernizadas, e o ‘chavismo’ causou grandes problemas estruturais nos últimos anos”, contou Stuenkel. “Em última análise, a Venezuela é um Estado falido que não é capaz de manter suas instalações petrolíferas nem de garantir o controle de seu território.”
Ele apontou para atividades ilegais também na mineração, que levam a desastres ambientais na própria Venezuela sem o cumprimento de normas ambientais.
Adriano Pires, do CBIE, concorda. “Parece-me que os navios venezuelanos não devem estar com a manutenção bem adequada, pois na Venezuela tudo está caindo aos pedaços”, frisou o especialista, acrescentando que, antes que o Brasil possa exigir qualquer compensação da Venezuela, a questão da culpa deve ser esclarecida. “Não basta ser óleo da Venezuela. Se um navio não venezuelano tem vazado óleo, a culpa é do navio.”
Segundo Stuenkel, o governo brasileiro tem poucas chances de processar a Venezuela por danos ambientais, pois as relações econômicas entre os dois países são praticamente inexistentes.
“Atualmente não há comércio relevante entre os dois países, portanto, as chances de iniciativas diplomáticas e a possibilidade de impor sanções são muito pequenas”, contou Stuenkel. “Como regra, o Brasil nunca escolhe sanções como meio, a menos que confirmadas pelo Conselho de Segurança da ONU.”
No entanto, como Rússia e China – aliadas do governo em Caracas – não permitem nenhuma decisão contra a Venezuela no Conselho de Segurança, as sanções brasileiras contra os venezuelanos são atualmente impensáveis.
“Só em circunstâncias muito extremas, que eu não consigo imaginar neste momento, que Rússia e China renunciariam à sua aliança com a Venezuela”, frisou Stuenkel. “E é improvável que um derramamento de petróleo no Nordeste brasileiro mude isso.”
Nas próximas semanas, o governo brasileiro planeja realizar várias licitações de blocos exploratórios de petróleo e gás, sob regime de concessão, além do leilão do excedente da cessão onerosa e partilha do pré-sal. “Não acredito em consequência alguma, pois o vazamento não tem nada a ver com os leilões”, sublinhou Pires. “São momentos distintos. Eu não acredito que isso tenha qualquer tipo de influência no resultado do leilão.” Para o especialista, os leilões serão um sucesso.
Já Thiago Almeida, do Greenpeace, avalia que este é um péssimo momento para ter um desastre ambiental. “O governo está abrindo novos blocos de exploração pelo Brasil inteiro, na costa e, também, na floresta amazônica. Não sei se isso [as manchas] afeta a vontade do governo. Mas deveria fazer com que empresas e a sociedade civil pensem nos riscos associados à exploração de petróleo e ao falso desenvolvimento que ele deveria trazer.”
O ativista ambiental lembra que o petróleo traz riscos para o meio ambiente e nem sempre as riquezas naturais trazem os prometidos avanços sociais para a população. “A gente vê o que aconteceu no Rio de Janeiro. O estado era extremamente dependente do petróleo e praticamente faliu.”