O estudo, realizado por um grupo de cientistas franceses do Centro de Pesquisa em Cancerologia de Lyon, mostrou que a vacina usada para prevenir a gastroenterite em crianças pode provocar a morte de células cancerígenas e também ser associada à imunoterapia.
O câncer é a segunda causa de morte no mundo e a busca por tratamentos mais eficazes, com menor custo e efeitos colaterais é objeto de pesquisas de cientistas em todo o mundo. Em 2018, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), 9,6 milhões de pessoas morreram vítimas da doença, 70% delas em países de baixa renda.
Nos últimos anos, a imunoterapia – técnica que consiste em ativar o sistema imunológico contra as células cancerígenas –, surgiu como uma alternativa revolucionária no tratamento de pacientes com metástases de cânceres do pulmão ou da bexiga, por exemplo. O problema é que a taxa de sucesso ainda é baixa: entre 10% e 25% dos doentes são resistentes à terapia.
Uma equipe de pesquisadores franceses estuda maneiras de vencer essa resistência. Os cientistas realizaram testes em laboratório, in vitro, e descobriram que a vacina usada contra os rotavírus, que provocam a gastroenterite, pode matar as células cancerígenas. Em ratos, associada à imunoterapia, ela ajudou o sistema imunológico a vencer o tumor. Os resultados estarreceram a equipe, explica a pesquisadora Sandrine Valsesia-Wittmann, uma das responsáveis pelo estudo.
No total, 14 vacinas fabricadas de vírus vivos, previamente diluídas, foram usadas na pesquisa. Os vírus foram separados dos excipientes. “Testamos todas as vacinas disponíveis em modelos de células e observamos a capacidade delas. Temos um sistema no laboratório que permite verificar se elas se ativam ou não”, explica.
Na verdade, a ideia de ativar artificialmente o sistema imunológico, da mesma maneira quando pegamos um resfriado, por exemplo, já existe e foi colocada em prática em pesquisas similares nos Estados Unidos.
As moléculas, entretanto, são obtidas através de um processo complexo de síntese genética em laboratório, longo e oneroso. A originalidade do estudo francês é o custo e a simplificação do processo. “Nossa originalidade foi se questionar se as vacinas poderiam atuar da mesma maneira. Um laboratório já havia tentado com a BCG, a vacina contra a tuberculose”, explica.
Das vacinas testadas na pesquisa, três usadas contra a gastroenterite tiveram resultados satisfatórios em ratos. “Primeiramente testamos em um modelo pediátrico, e tivemos resultados espetaculares. Percebemos que as vacinas tinham uma função oncolítica, ou seja, matavam especificamente as células tumorais, ativando excessivamente o sistema imunológico. Os vírus foram injetados diretamente nos tumores. “É uma terapia intratumoral. A palavra de ordem é tratar localmente para ter um efeito sistêmico.
Na execução do estudo, a equipe usou camundongos transgênicos. Em laboratório, os pesquisadores fizeram com que o animal desenvolvesse um tumor, a partir de dois modelos de neuroblastoma, um câncer infantil extracraniano que atinge as células do sistema nervoso simpático.
Em termos fisiológicos e de imunidade, explica a cientista, o modelo utilizado é muito próximo do tumor humano, o que deixa a equipe ainda mais otimista.
Tratamento curou camundongos com câncer
Os mesmos testes, ressalta, com os mesmos efeitos, também foram observados em modelos de cânceres humanos em adultos, o que deverá facilitar a obtenção de fundos para os testes clínicos – o recrutamento de crianças é extremamente difícil. Cerca de 30 cânceres diferentes foram testados e todos reagiram ao tratamento. Entre eles, o do colón, linfomas e o do seio. Após três injeções, os camundongos estavam curados.
Uma das barreiras para dar início aos testes clínicos, diz francesa, é o retorno do investimento, que deve compensar o custo da pesquisa. Uma dura realidade quando se trata da vida de pessoas que poderiam ser salvas e resistem à imunoterapia. “Recebi muitas ligações de pacientes, que tiveram recaídas. Para mim é difícil, lutamos para isso. Estamos ao lado do hospital, vemos as crianças…”
Outra questão é que a vacina é autorizada no mercado para um tipo específico de prescrição para as crianças, que é a via oral. Na pesquisa, a equipe de Sandrine injetou a substância diretamente no tumor.
“A autorização que existe, nesse caso, não é válida, e vamos ter que trabalhar nessa autorização. É o que estamos fazendo atualmente. ” A boa notícia é que uma versão injetável da vacina está prestes a chegar ao mercado, o que vai facilitar o trabalho da equipe. “Isso fará com que diminua o prazo para obter a autorização para os testes.”
// RFI