O Reino Unido registrou mortes de pessoas vacinadas que contraíram a contagiosa variante. A DW fez um levantamento sobre o que se sabe sobre a eficácia dos imunizantes disponíveis contra a delta.
Até agora, no Reino Unido, pelo menos 259 pessoas que contraíram a variante delta do coronavírus morreram. Destas, mais de cem estavam totalmente vacinadas, de acordo com os dados mais recentes da Public Health England (PHE), uma agência do Ministério da Saúde do país. Com isso, surge a pergunta: a vacinação protege contra a variante delta?
Primeiro a boa notícia: sim, ela protege.
Por que existe risco apesar da vacinação completa?
Nenhuma das vacinas aprovadas até agora oferece 100% de proteção contra a infecção por coronavírus – isso tem sido demonstrado desde o início através de estudos. Embora o risco seja baixo, pessoas vacinadas, sobretudo aquelas com doenças pré-existentes, podem sim se infectar – e, no pior dos casos, até morrer. No Reino Unido, a atual taxa de mortalidade ainda é bastante baixa, e isso apesar do aumento de infecções por covid-19.
“Há casos de pessoas que receberam as duas doses da vacina e mesmo assim morreram”, disse em junho o virologista mais conhecido da Alemanha, Christian Drosten, no podcast Coronavirus Update, da emissora alemã NDR. Nesses casos, seria necessário uma análise para descobrir por que, de fato, elas morreram, e como foi feito o diagnóstico, afirma.
A alta proporção de pessoas já vacinadas entre os mortos no Reino Unido – assim como a taxa de mortalidade baixa mencionada acima – provavelmente se deve ao fato de que cerca da metade da população britânica já está totalmente imunizada. Além disso, dos 118 mortos, 116 tinham mais de 50 anos, conforme os dados.
Peggy Riese, cientista do Centro Helmholtz para Pesquisa de Infecções, dá um exemplo claro: “Se 100% da população é vacinada, então algumas pessoas vacinadas também morrem.” Isso não significa que a vacina não seja segura. Ela simplesmente não protege 100%.
Além disso, alguns óbitos entre vacinados podem ser atribuídos a uma menor resposta à vacina, como em pessoas que tomam imunossupressores ou fizeram transplantes, explica à DW Georg Behrens, professor da Escola de Medicina de Hannover na clínica de Reumatologia e Imunologia. Isso tudo se soma ao fato de que o efeito da vacinação diminuir após alguns meses.
“Com azar, algumas pessoas ainda podem desenvolver um quadro grave da doença”, ressalta o cientista. As vacinas protegem muito bem, acrescenta, mas é claro que nunca há 100% de proteção.
Um estudo sugere que as vacinas evitaram cerca de 7,2 milhões de infecções e 27 mil mortes somente na Inglaterra. “O número de infecções e mortes evitadas pelo programa de vacinação não é apenas surpreendentemente alto, mas cresce exponencialmente ao longo do programa de vacinação”, aponta Paul Birrell, um dos cientistas envolvidos na pesquisa.
Bom efeito protetor após duas doses
Especialistas questionados pela DW se dizem convencidos da eficácia das vacinas contra a variante delta. “As vacinas são fantásticas”, diz o virologista Friedemann Weber, da Universidade Justus Liebig, de Giessen, na Alemanha. “A resposta imunológica entre vacinados que receberam as duas doses e aguardam o tempo necessário é, em média, maior ou até igual à de pessoas que obtiveram uma resposta imunológica após uma infecção”, explica.
A avaliação dos especialistas é corroborada pelas descobertas científicas.
Um estudo recente publicado na revista Nature concluiu que a vacinação com as duas doses da Biontech-Pfizer continua a proteger fortemente contra a variante delta.
No entanto, novos dados de Israel apontam para uma proteção menor contra a delta. Conforme um comunicado do departamento de saúde israelense, a eficácia da vacina da Biontech-Pfizer contra a variante delta, em termos de prevenção completa de uma infecção, caiu para 64%. Além disso, a vacinação previne uma doença com sintomas em “apenas” 64% dos casos. No entanto, a vacinação continua a proteger 93% dos imunizados de uma infecção grave com hospitalização, segundo o estudo. Não ficou claro, porém, como o departamento de saúde israelense obteve tais dados, e um pedido da DW por maiores informações não obteve resposta até o momento da publicação desta reportagem.
No geral, estudos já publicados sobre a proteção das vacinas da Biontech-Pfizer, AstraZeneca e Moderna contra a variante delta revelam grandes disparidades, como mostra uma comparação entre Israel, Canadá, Inglaterra e Escócia feita pelo jornal Financial Times.
De acordo com um estudo canadense, a vacina da Moderna também apresenta um nível de proteção relativamente alto contra a delta: 14 dias após a primeira dose, a proteção já seria de 72%. Ainda faltam dados sobre a eficácia após a segunda dose.
É necessária uma vacinação de reforço?
Behrens, da Escola de Medicina de Hannover, enfatiza que deve ser levado em consideração em que momento foram vacinadas as pessoas em Israel posteriormente infectadas com a variante delta. As primeiras vacinas foram aplicadas em dezembro do ano passado, ou seja, o efeito pode ter diminuído lentamente e outra dose pode se fazer necessária, disse o professor.
Os fabricantes Biontech-Pfizer já haviam atentado para esse fato em um recente comunicado de imprensa. Para manter a eficácia, eles pedem a aprovação de uma terceira dose de vacinação seis meses após a segunda.
Dados anteriores do Reino Unido indicaram uma eficácia ligeiramente maior das duas vacinas de mRNA (Moderna e Biontech-Pfizer) contra hospitalizações do que o apontado pelos dados israelenses. Um estudo da PHE, por exemplo, aponta que uma única dose da vacina da Biontech-Pfizer evita quadros graves da doença em 94% dos casos – e a proteção chega a 96% com duas doses. Já com o imunizante da AstraZeneca, as taxas seriam de 71% e 92%, respectivamente.
Outro estudo britânico aponta ainda que as vacinas também protegem contra sintomas de uma possível infecção pela variante delta. Neste caso, uma dose do imunizante da Biontech-Pfizer ofereceria uma proteção de 36% contra o desenvolvimento de sintomas, e de 88% após a segunda dose. Com a vacina da AstraZeneca, haveria uma proteção de 30% após a primeira dose e de 67% após a segunda.
Tais estudos iniciais sugerem que, em princípio, a variante delta é sim mais resistente às vacinas – mas também que uma vacinação completa continua a fornecer forte proteção contra ela.
Qual é a probabilidade de surgirem variantes mais perigosas?
Variantes surgem quando um vírus sofre mutação. “Novas variantes ainda deverão aparecer por algum um tempo”, prevê Weber. Segundo o virologista, isso só deixará de ocorrer quando a maioria da população estiver vacinada. E ele não acredita que as vacinas de repente parem de funcionar.
Behrens ressalta que não é possível prever com exatidão o surgimento de variantes ainda mais perigosas. No entanto, sempre há mutações menos perigosas que não prevalecem. Em todo caso, a vacinação continua sendo a melhor forma de se proteger, afirma, afinal, quanto mais pessoas forem vacinadas, maior será a imunidade da população e menor será a taxa de infecção.
Tal raciocínio é corroborado pela cientista Peggy Riese, que igualmente atesta a impossibilidade de se prever cenários como esses com precisão. No geral, o coronavírus sofre mutações com mais frequência do que vírus como o do sarampo, por exemplo, mas com menos frequência do que o vírus da gripe. Portanto, não se trata de um vírus de mutação particularmente rápida, nem de um com mutação muito lenta.
Precisamos de novas vacinas?
Até agora, as vacinas existentes têm sido muito eficazes contra todas as mutações mais preocupantes do coronavírus. Quando a eficácia delas diminuir, é claro, elas precisarão ser ajustadas, avalia Riese. No entanto, não devemos nos precipitar, diz.
Já Weber considera que as vacinas deveriam ser ajustadas imediatamente. Mas o grande impedimento são os amplos e demorados estudos que precisam ser feitos antes de cada nova aprovação, aponta.
Atualmente, a Biontech-Pfizer trabalha no desenvolvimento de uma vacina específica contra a variante delta, com os primeiros estudos clínicos previstos para começar já em agosto.
Pesquisadores do renomado hospital universitário Charité, em Berlim, também acreditam que as vacinas contra a covid-19 terão que ser verificadas regularmente durante a pandemia e devidamente ajustadas, caso necessário. Até o momento, o vírus tem mudado de forma muito veloz, pois há muitas infeções em todo o mundo, diz um comunicado de imprensa da instituição.
“Com base nas taxas de evolução dos vírus de resfriados, presumimos que o Sars-Cov-2 também demorará mais para sofrer mutações assim que as infecções diminuírem – ou seja, após uma grande parte da população global ter desenvolvido proteção imunológica através da própria doença ou por meio da vacinação”, explica Jan Felix Drexler, do Instituto de Virologia do Charité. Assim que a situação se estabilizar, as vacinas provavelmente poderão ser utilizadas por um período mais longo, prevê.