Gênesis é o primeiro livro da Bíblia. Nele, uma citação parece sugerir o vegetarianismo e mostrar que os vegetais foram oferecidos para a alimentação dos seres humanos.
“E disse Deus: Eis que vos tenho dado todas as ervas que dão sementes e se acham na superfície de toda a terra, e todas as árvores em que há frutos que dão sementes; isso vos será por alimento. E a todos os animais da terra, e a todas as aves dos céus, e a todos os répteis da terra, em que há fôlego de vida, toda erva verde lhes será para mantimento. E assim se fez”, Gênesis 1:29 e 1:30.
Ele não disse: “Te dou todo os animais para te servir por alimento”. Mas sim, as sementes, as árvores e os frutos para que sirvam de alimento a vocês e aos animais.
Segundo o livro de Gênesis, Deus criou o homem e o colocou no Jardim do Éden. Sua alimentação deveria ser baseada nos frutos de todas as árvores (Gen. 2:16), com excessão da árvore do conhecimento (Gen. 2:17).
O pecado original fez com que o homem fosse expulso do paraíso, mas que ganhou a permissão ainda de comer as ervas do campo (Gen. 3:18). Ou seja, depois de ter os frutos como alimentação, agora poderiam comer outros vegetais cultivados.
Já fora do paraíso, Adão e Eva tiveram filhos e dez gerações depois nasce Noé, que vive o dilúvio enviado por Deus. A Noé ficou a missão de construir uma arca e salvar sua família, além de um casal de cada espécie de animal.
Passado o dilúvio, já com a terra seca, seria impossível que tanto a família quanto os animais se alimentassem de plantas. Assim, Noé e seus filhos, segundo a Bíblia, foram os primeiros seres humanos que comeram carne.
“Pavor e medo de vós virão sobre todos os animais da terra e sobre todas as aves dos céus; tudo o que se move sobre a terra e todos os peixes do mar nas vossas mãos serão entregues.” (Gen. 9:2).
Além do homem passar a ser onívoro, é neste momento que surgem animais herbívoros e carnívoros: “Tudo o que se move e vive ser-vos-á para alimento; como vos dei a erva verde, tudo vos dou agora.” (Gen. 9:3).
A frase “como vos dei a erva verde” também sugere que os humanos fossem veganos. Porém Noé estava em uma situação bastante desafiadora e não necessariamente mostra que deveríamos seguir comendo carne até hoje.
Na interpretação do primeiro grão-rabino de Israel, Rav Kook, esta era uma permissão baseada na falta de recursos e não definitiva.
Exôdos
Existe ainda um segundo momento em que a Bíblia mostra que era a intenção de Deus que o homem fosse vegetariano. Na época em que os israelitas saíram do Egito, Deus enviou aquele povo recém-liberto da escravidão para vagar pelo deserto em busca da purificação.
Foi lhes dado um alimento que caia do céu, que era “como semente de coentro, branco e de sabor como bolos de mel”, Êxodo 16:31, Números 11:7.
Durante a travessia do deserto, as pessoas começaram pedir pelos alimentos que consumiam no Egito – carne e peixes, entre outros (Num. 11:4-5). “Agora, porém, seca-se a nossa alma, e nenhuma coisa vemos senão este manah” (Num 11:6).
Deus atendeu aos pedidos oferecendo codornizes, que foram sopradas pelo ventos dos mares. Mas a punição viria logo depois: “Estando ainda a carne entre os seus dentes, antes que fosse mastigada, quando a ira do Senhor se acendeu contra o povo, e o feriu com grande praga.” (Num. 11:33).
O lugar onde ocorreu esse incidente foi batizado de “Kivrot Hataava”, que em português significa Tumbas da Luxúria, porque foi o desejo de luxo daquele povo, e não sua necessidade, o que os levou à morte (Num. 11:34).
Como escreveu Sergio Greif no texto “A Bíblia preconiza o vegetarianismo”, essa passagem mostra que temos já o alimento que precisamos, em fartura, para estarmos vivos e saudáveis mas, “quando buscamos alimentos que não nos são apropriados, perecemos”.
Daniel, filho de Judá
Quando Nabucodonosor, rei de babilônia, sitiou a Jerusalém (Daniel 1:1), determinou que jovens de boa aparência, inteligentes e estudados deveriam ir ao palácio do rei lhe ensinarem o idioma dos caldeus (Daniel 1:4).
“E o rei lhes determinou a porção diária, das iguarias do rei, e do vinho que ele bebia, e que assim fossem mantidos por três anos, para que no fim destes pudessem estar diante do rei. E entre eles se achavam, dos filhos de Judá, Daniel, Hananias, Misael e Azarias”, Daniel 1:5,6.
Daniel então se recusou a comer as carnes do rei e fez uma sugestão ao chefe dos eunucos: “Experimenta, peço-te, os teus servos dez dias, e que se nos dêem legumes a comer, e água a beber. Então se examine diante de ti a nossa aparência, e a aparência dos jovens que comem a porção das iguarias do rei; e, conforme vires, procederás para com os teus servos”, Daniel 1:12,13.
“E, ao fim dos dez dias, apareceram os seus semblantes melhores, e eles estavam mais gordos de carne do que todos os jovens que comiam das iguarias do rei”, Daniel 1:15.
Não matarás
A frase dos Dez Mandamentos, dados por Deus a Moisés, não somente se refere ao nosso próximo, mas fala muito em não praticar o mal a inocentes.
Dizer que Deus nos deu os animais para que pudéssemos comê-los é jogar para Deus a responsabilidade de algo fruto da nossa fraqueza.
Na Bíblia, o consumo de carne está muitas vezes relacionado ao paganismo e à luxúria das festas, bem como aos sacrifícios feitos aos falsos ídolos.
“Pelo contrário, devemos escrever a eles, dizendo-lhes que se abstenham de comida contaminada pelos ídolos, da imoralidade sexual, da carne de animais estrangulados e do sangue” (Atos 15:20).
“Não destruas por causa da comida a obra de Deus (…) bom é não comer carne, nem beber vinho, nem fazer outras coisas em que teu irmão tropece ou se escandalize ou se enfraqueça” (Romanos 14:20-21).
Em todo caso, a mesma Bíblia ainda diz: “por que é que você, que só come verduras e legumes, condena o seu irmão? E, você, que come de tudo, por que despreza o seu irmão? Pois todos nós estaremos diante de Deus para sermos julgados por Ele” (Romanos 14:10).
O livre arbítrio ainda nos permite escolher como nos alimentar, mas, independente da crença religiosa, estes também são dados históricos sobre a humanidade. Vale a reflexão.
// Hypeness