O deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG) apresentou nesta terça-feira (10) um parecer contrário ao prosseguimento da segunda denúncia contra o presidente da República, Michel Temer. Os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) também foram denunciados pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
A peça da PGR é fruto do inquérito sobre o “quadrilhão” do PMDB, aberto ainda em 2015. Para Janot, Temer liderava uma organização criminosa que desviou dinheiro da Petrobras, da Caixa Econômica e de Furnas, entre outras. O valor movimentado chegaria a R$ 587 milhões.
O parecer de Bonifácio terá de ser votado pelos deputados da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. O objetivo do governo é obter na CCJ um placar melhor do que o conseguido na votação da primeira denúncia, quando o parecer favorável a Temer foi aprovado por 41 votos a 24. O rito da tramitação da segunda denúncia contra Temer é o mesmo adotado na primeira acusação.
É bem provável que os integrantes da CCJ peçam vista do projeto. Como o prazo é de duas sessões do Plenário da Câmara, a discussão só deve ser retomada na próxima terça ou quarta-feira (18 de outubro).
No texto, Bonifácio acusa o MPF de tentar criminalizar a atividade política. “(…) não existem indícios que apontem para a existência de uma Organização Criminosa, estruturada, estável, coordenada, voltada para a prática sistemática de crimes. Ao contrário, o que se vê são atividades político-partidárias sendo tratadas como criminosas, o que é inspiração antidemocrática“, diz um trecho do relatório.
“O afastamento do Presidente da República, neste momento, representará uma crise de altas proporções para o povo brasileiro e para desenvolvimento de nossas instituições, tudo isso em decorrência de uma denúncia claramente duvidosa”, escreve o relator em outro momento.
A denúncia será votada pelo plenário da Câmara independentemente do resultado na CCJ: todos os 513 deputados terão oportunidade de se manifestar, mesmo que o relatório de Bonifácio seja vencedor na comissão.
O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) já disse que pretende levar o tema ao pleno antes do fim do mês, possivelmente na semana de 22 a 28 de outubro.
A eventual vitória na Câmara não livra Temer e os ministros da investigação: se os deputados rejeitarem a denúncia, Temer terá de responder pelas acusações quando deixar o cargo de presidente da República. Se a denúncia for aceita, o presidente é afastado do cargo por até 180 dias, enquanto ocorrem as investigações.
Por que Bonifácio de Andrada?
Segundo governistas, Bonifácio de Andrada foi escolhido para relatar a segunda denúncia contra Temer por sua formação jurídica: é advogado (pela PUC-RJ) e doutor em direito público (pela UFMG), e já lecionou em várias faculdades de direito. Assim, estaria em condições de apresentar um parecer técnico sobre o caso.
Além disso, Andrada votou a favor de Michel Temer quando a Câmara analisou a primeira denúncia contra o peemedebista. A escolha foi feita pelo presidente da CCJ, Rodrigo Pacheco (PMDB-MG).
Na primeira denúncia contra Temer, Pacheco já havia escolhido um tucano mineiro: Paulo Abi-Ackel foi o autor do relatório favorável ao presidente, e o texto dele acabou vitorioso na CCJ.
Por isso, tucanos que fazem oposição ao governo dizem que Pacheco estaria tentando angariar o apoio do PSDB mineiro com o objetivo de viabilizar-se como candidato a um cargo majoritário (de senador ou governador) nas eleições do ano que vem.
A BBC Brasil tentou contato com Pacheco, que não respondeu. Ao anunciar a escolha, o presidente da CCJ disse à imprensa que atendeu a critérios “técnicos” e não partidários. E que o tucano era “o mais experiente para relatar a denúncia”. Bonifácio está no décimo mandato como deputado.
O que é certo é que a escolha de Andrada criou mais um atrito entre o PSDB e o governo Temer. O líder da bancada do PSDB, Ricardo Tripoli (SP) pediu oficialmente a Pacheco que não escolhesse um tucano para relator.
Na semana passada, os tucanos chegaram a tirar a vaga de Pacheco como titular da CCJ, o que inviabilizaria o relatório dele. O PSC, partido aliado ao governo federal, cedeu a vaga de Marco Feliciano (PSC-SP) para que Andrada pudesse permanecer na CCJ.
Planalto quer ampliar margem
“Quem votou contra (a primeira denúncia) não tem nenhum incentivo para votar a favor agora. E quem votou a favor idem. Portanto, se não surgir nenhum fato novo, a tendência é que o quadro continue o mesmo“, diz o líder da bancada do DEM na Câmara, deputado Efraim Filho (PB).
Para políticos mais próximos ao governo, a tendência é que o Planalto amplie o placar da primeira votação, quando a denúncia foi rejeitada por 263 votos a 227.
É o que acredita o deputado Beto Mansur (PRB-SP), um dos principais defensores de Temer no Congresso. “Estamos fazendo o corpo-a-corpo, conversando um a um. Achamos que será possível ampliar o resultado”, diz Mansur.
Governistas citam o caso do PP: a bancada deu sinais de descontentamento com o governo em agosto e setembro, mas agora já estaria “pacificada”. De fato, o presidente nacional do PP, o senador Ciro Nogueira (PI) disse nesta terça à agência Reuters que a segunda denúncia contra o presidente é “muito fraca” e “difícil de ser comprovada”.
Pesam ainda a favor de Temer as liberações de cargos e de projetos de interesse dos deputados nas últimas semanas. As nomeações teriam sido para cargos de segundo escalão no Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), no INSS e no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), entre outros.
Uma das últimas iniciativas de Temer nesta área é um projeto que visa substituir o antigo imposto sindical, extinto durante a reforma trabalhista. A nova contribuição – cujos detalhes ainda não são conhecidos – seria criada por meio de um projeto de lei com urgência, a ser enviado pelo Executivo ao Congresso nos próximos dias.
A informação foi confirmada à BBC Brasil pelo secretário-geral da central Força Sindical João Carlos Gonçalves, o Juruna. Ele diz, porém, que a criação do novo imposto interessa a todas as centrais sindicais – e não só à Força – e que a proposta não teria relação com a votação da segunda denúncia de Temer.
Ciberia // BBC